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SP registra 25% de mortes a mais entre negros e 11,5% entre brancos em 2020

Os dados colocam São Paulo, onde 40% da população é negra (preta ou parda), na liderança da desigualdade racial no país durante a pandemia de Covid-19

SP registra 25% de mortes a mais entre negros e 11,5% entre brancos em 2020
Notícias ao Minuto Brasil

13:35 - 20/03/21 por Folhapress

Brasil CORONAVÍRUS-SP

A Covid-19 foi muito mais mortífera entre pessoas negras do que entre as brancas no estado de São Paulo ao longo de 2020, quando 46,7 mil pessoas morreram em decorrência da doença no território paulista, mostra um estudo inédito da Vital Strategies com apoio do Afro-Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Os dados colocam São Paulo, onde 40% da população é negra (preta ou parda), na liderança da desigualdade racial no país durante a pandemia de Covid-19 e extrapolam disparidades já existentes.

A análise foi feita a partir de dados do SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde) e do sistema de informação da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais e indica que o excesso de mortes registrado no estado entre os negros (pretos e pardos) foi mais do que o dobro daquele registrado entre brancos.

O excesso de mortes é o número de óbitos superior ao que era esperado para o período levando em conta uma série histórica. A estratégia é recomendada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) para avaliar os efeitos diretos e indiretos da pandemia.

A expectativa de número de mortes entre negros e entre brancos em um ano comum difere, resultado da desigualdade social no país. Por isso, para chegar à conclusão sobre o efeito da doença, é importante observar o salto desse excesso de mortes em cada grupo.

Foi o que a equipe coordenada pela médica Fátima Marinho, pesquisadora sênior da Vital Strategies e coordenadora do estudo, fez: para os brancos, esse excesso foi de 11,5%; para os negros, o salto chegou a 25,1%. A discrepância é ainda mais drástica quando observado o excesso de mortes nas faixas mais jovens, de até 29 anos. Neste caso, o excesso de mortes entre os negros chega ao quádruplo da dos brancos.

O método considera todos os óbitos por causas não externas (acidentes, mortes violentas), independentemente da causa básica de morte. Assim, o resultado não sofre interferência da conhecida subnotificação da Covid e contempla as mortes indiretas pela pandemia, causadas, por exemplo, pela sobrecarga nos hospitais públicos e interrupção de tratamento de doenças crônicas.

A desigualdade ocorre também no nível nacional. No Brasil todo, houve um excesso de mortes de 27,8% para pretos e pardos enquanto para os brancos foi de 17,6%.

Apesar de todas as regiões terem apresentado excesso de mortes, é no Sudeste, em especial em São Paulo, e no Sul, onde aparecem as maiores taxas de desigualdades raciais.

O impacto das disparidades sociais na perda de saúde da população negra pobre é muito conhecido. Elas determinam, por exemplo, uma menor expectativa de vida comparado com a população branca, maior mortalidade infantil e mais mortes por causas evitáveis e por violência.

Várias pesquisas nacionais mostram que os negros têm mais doenças crônicas, por exemplo. Entre outros fatores, estão as condições precárias de vida e menos acesso aos serviços de saúde.

Com a pandemia, a perda de saúde dos negros foi somada à dificuldade de se fazer isolamento social, afirma Marinho.

As grandes diferenças estão nos extremos etários, nos jovens e nos idosos. "Um porque sai de casa para trabalhar, pega transporte público lotado, e outro porque não consegue ter distanciamento dentro de casa, das comunidades, e porque já perdeu muita saúde", diz a médica.

Para a socióloga Márcia Lima, professora da USP e pesquisadora do Afro-Cebrap, núcleo de pesquisa e formação sobre a questão racial, a pandemia revela de forma mais contundente a histórica desigualdade racial. "O caminho para enfrentá-la passa pelo fortalecimento do SUS e de seus programas e o investimento nos equipamentos públicos de saúde das periferias", diz.

Lima lembra que em 2009 houve avanço com a aprovação da política nacional da saúde população negra, fruto de uma longa batalha das ativistas negras dentro do Ministério da Saúde. "Infelizmente, no momento de avançar na implantação dessa política coincide com um governo que não toma esse debate como agenda. Pelo contrário, o desqualifica."

O advogado Pedro de Paula, diretor da Vital Strategies no Brasil, diz que em outros países, como os Estados Unidos, também ocorreram disparidades raciais na pandemia, mas há políticas públicas em curso para tentar atenuá-las –por exemplo, priorizar a vacinação dos mais vulneráveis.

"Nos EUA, há uma busca ativa e comunicada desses grupos, com esquemas diferentes de vacinação, locais e horários", afirma.
No Reino Unido, ocorre o mesmo. "Foram identificadas as áreas mais vulneráveis e os mais vulneráveis dentro delas. O critério não é só idade", reforça Marinho.

Segundo Lima, a vulnerabilidade está associada às necessidades de circulação para chegar ao trabalho, à situação das pessoas que vivem em áreas com menos estrutura domiciliar, às condições da população de rua e outros grupos que não têm recursos para uma proteção mínima contra a Covid-19.

Para Marinho, o Brasil deveria estar olhando para isso também em vez de priorizar apenas a faixa etária. "O idoso que mora no Morumbi e o idoso que mora em Paraisópolis não são iguais. Se não olharmos para isso, vamos proteger quem já está protegido."
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde diz que o governo paulista incluiu os quilombolas, que integram parte da população preta e parda, na primeira fase do Plano Estadual de Imunização (PEI) contra Covid-19 e cerca de 10 mil doses foram aplicadas especificamente neste grupo.

"A decisão foi diferenciada do Ministério da Saúde, que optou por não incluir esse público entre os grupos desta primeira fase da campanha nacional, justamente porque o estado prioriza a vacinação dos grupos mais vulneráveis em seu plano", diz a nota.

VACINAÇÃO EM BH
Em Belo Horizonte, pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) têm mapeado as populações mais vulneráveis a partir de um índice de vulnerabilidade em saúde (IVS), desenvolvido a partir de mais de 3.000 setores censitários da cidade.

O índice leva em conta cinco variáveis (saneamento, coleta de lixo, abastecimento de água, alfabetização e cor da pele onde se concentra pobreza) e classifica as áreas de baixo, médio e elevado risco social.

Segundo Deborah Malta, professora da Escola de Enfermagem da UFMG, os dados mostram diferenças muito importantes de mortalidade quando analisados a partir do índice de vulnerabilidade.

Por exemplo, na população que vive em áreas de baixo risco (de maior poder aquisitivo), a taxa de mortalidade em 2020 foi de 12 mortes por grupo de 100 mil na faixa etária entre 40 a 59 anos. Entre as pessoas que moram em regiões de elevado risco (mais vulneráveis), isso salta para 56 mortes por grupo de 100 mil.

Na ponta mais extrema, os idosos com 75 anos ou mais, esse índice variou de 409 para 874 mortes por grupo de 100 mil. "Os idosos se concentram mais nas áreas ricas. Nas áreas pobres, quase não tem idoso. Com poucas doses, num cenário de escassez, você consegue cobrir essa população que mora em região pobre e que tem mais chances de morrer."

Na opinião de Malta, os dados poderiam ser úteis para indicar a prioridade de vacinação. A proposta, que foi apresentada no último congresso de geriatria e gerontologia, está sendo avaliada pela Secretaria Municipal da Saúde de Belo Horizonte.

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