'Microbolha' busca vencer a solidão com segurança, diz psicóloga

A psicóloga Mary Yoko Okamoto, professora de pós-graduação na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e uma das responsáveis pelo programa de teleacolhimento dos calouros, diz que insegurança, incerteza e medo do futuro são os sentimentos mais comuns deste período

© Shutterstock

Lifestyle Quarentena 20/07/20 POR Estadao Conteudo

Dá para cravar: ninguém aguenta mais a quarentena. Quem pode fazer isolamento social já tem quase quatro meses praticamente olhando para as paredes. Para enfrentar essa maratona que não tem fita de chegada à vista, muita gente está flexibilizando seu confinamento e encontrando outras pessoas que também estão isoladas. Cada um na sua bolha, mas em contato para não "surtar".

PUB

A razão disso é o peso mental do isolamento. Quanto mais rigorosa a quarentena, maior o custo para o bem-estar psicológico, dizem os especialistas. A psicóloga Mary Yoko Okamoto, professora de pós-graduação na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e uma das responsáveis pelo programa de teleacolhimento dos calouros, diz que insegurança, incerteza e medo do futuro são os sentimentos mais comuns deste período.

O psicanalista Christian Dunker afirma que nossa capacidade de suportar privações é finita. "Não somos de aço inoxidável ou de elástico. Nós estamos pagando um preço psíquico pelo isolamento. O contato com o outro representa o nosso reconhecimento. Dependemos do outro para entender melhor o que sentimos", explica o professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).

Ampliar a bolha individual aumenta o contato social, contribui com o equilíbrio emocional e tenta minimizar o risco de transmissão da doença. Se ocorrer uma infecção, ela permanece na bolha e não será transmitida a outras pessoas. Pode ser uma saída temporária à espera da vacina ou de um remédio eficaz contra a covid-19.

No caso da pedagoga Claudia Ribeiro, de 46 anos, a medida deu certo. A educadora mora em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, ao lado do marido, Marcos Ribeiro, de 56 anos, e do filho Renan, de 26. O marido é diabético e o filho tem uma deficiência intelectual com lisencefalia (má formação cerebral), o que exige cuidados respiratórios, pois os pulmões dele são frágeis.

Os dois têm, portanto, maior vulnerabilidade à covid-19. No início de julho, eles decidiram correr um risco calculado para diminuir a solidão. A missão era encontrar a amiga Elisangela, que teve alta depois de uma internação por trombose.

Na chegada à casa em Boraceia, também litoral norte, trocaram de roupa e de sapatos. As portas tinham panos ensopados de água sanitária. Usaram máscaras, luvas, spray de álcool 70 para lavar as louças e lavaram as mãos a toda hora. Não trocaram abraços nem beijos. No mês de abril, ela havia adotado os mesmos cuidados para encontrar a mãe, Iraildes Meira, de 63 anos, em Águas de Lindoia, no interior paulista. Valeu, diz a pedagoga. "O calor humano nos confortou e alegrou nossos corações. Estávamos tristes e esquecidos no mundo. Após o encontro, nós nos sentimos mentalmente vivos", diz a especialista em educação especial.

Na escolha entre o lado racional - o isolamento é a única ferramenta eficaz contra a contaminação - e o afetivo - a saudade dos filhos e netos - , o engenheiro civil Michel Lutfi, de 66 anos, e a assistente social Maria Beatriz Lutfi, de 62, também pegaram um pouquinho de cada. Foram três meses sem contato com os netos Arthur e Diogo, de 7 e 4 anos. A angústia aumentou quando a filha, Renata, teve a covid-19 seguida de uma pneumonia. A solidão pesava de todos os lados.

Após uma consulta de rotina com o cardiologista da família, surgiu a pergunta: com todos os cuidados, nós podemos reencontrá-los? O médico disse "sim", mas com uma condição: nada de beijos e abraços.

Foi assim que a família começou a se encontrar toda semana desde o início de julho. As bolhas se uniram e ficaram mais felizes. "É difícil, mas a gente respeita o distanciamento. A gente brinca na varanda e também com jogos de mesa. Foi uma decisão acertada, que fez bem para todo mundo", conta a avó.

Essas cenas exemplificam uma nova forma de afeto, opina a psiquiatra Lívia Basseres. "As relações humanas não vão voltar a ser como antes. A gente precisa se cuidar para evitar a contaminação e também da saúde mental, que costuma ser minimizada. As videoconferências são importantes e os encontros, quando acontecem, têm de ser muito valorizados. É uma oportunidade também de refletir sobre os afetos e as relações", diz a especialista do Instituto de Psiquiatria da USP (IPQ-FMUSP).

Como montar sua bolha

Essas soluções individuais não são invenção nossa. Foi lá fora que surgiram os termos "bolhas" e "microbolhas sociais". Quando começou a retomar a vida social após um enfrentamento bemsucedido da pandemia, a Nova Zelândia recomendou que as pessoas continuassem dentro da bolha de suas casas, mas que começassem a expandi-la para se reconectar com a vida lá fora. Na Inglaterra, o governo britânico recomendou que as bolhas sociais, geralmente familiares, fizessem combinações com dois ou três outros grupos.

Não dá para comparar a situação da Nova Zelândia e do Reino Unido com a do Brasil, mas a ideia é a mesma. A decisão de encontrar alguém pessoalmente é delicada, pois a pandemia ainda não acabou por aqui. A retomada de atividades não essenciais em várias cidades, como a abertura de shoppings e academias, por exemplo, traz uma sensação de fim da pandemia. É falsa. Não acabou.

Existem situações mais complexas para criar bolhas, além dos laços familiares, como amigos que dividem o apartamento, por exemplo. Como controlar que todos se protejam na mesma medida se os laços não são tão fortes?

A advogada Beatriz Rossi, de 26 anos, e o analista de Relações Internacionais Vinícius Cipelli, de 25 anos, têm de pensar sobre essa questão toda semana.

Junto há dois anos, o casal restringiu o namoro aos sábados e domingos. Ela pega o carro em Santo André, na região metropolitana, e só para na garagem do prédio em Pinheiros. Os dois trabalham em regime home office. O casal alinha esse rigor de prevenção com o amigo com quem Cipelli divide o apartamento e normalmente leva a namorada.

"Quando alguém chega, a gente pergunta se lavou as mãos e usou álcool em gel, mas só isso. O controle é da consciência e do bom senso de cada um. A gente já se conhece e sabe que dá para confiar", diz a advogada.

Dunker concorda com esse pacto de confiança. "É uma aplicação particular da regra de quarentena e análise de risco. Isso envolve negociação e um pacto de confiança. Não dá para saber se o outro está respeitando, é preciso equalizar os conceitos de quarentena. Às vezes, é necessário investigar a vida de cada um e entrar na intimidade do outro, coisas que não gostamos muito de fazer", diz o professor do Instituto de Psicologia da USP.

Para contornar o problema, os encontros entre amigos do publicitário e escritor Airton Bovo, de 59 anos, têm um traço em comum: todo mundo fez o teste de covid-19. Não é uma obrigatoriedade, mas uma prática que se tornou comum no grupo. Trata-se de uma solução particular em um País com baixa testagem e que não conhece ao certo o número de infectados. "É uma segurança para todo mundo", justifica.

Participam dos encontros quatro pessoas por vez em locais abertos, ao ar livre, como chácaras e sítios, ou em Moema, na zona sul da cidade, onde vive boa parte do grupo. A cada semana, o encontro reúne pessoas diferentes para ampliar as experiências.

"Não somos de aço inoxidável ou de elástico. Nós estamos pagando um preço psíquico pelo isolamento. O contato com o outro representa o nosso reconhecimento." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

PARTILHE ESTA NOTÍCIA

RECOMENDADOS

justica Santos Há 8 Horas

Homem é flagrado abusando sexualmente de moradora em situação de rua

politica CHUVA-RS Há 3 Horas

Mortes pelas chuvas chegam a 75 e governador fala em 'Plano Marshall'

mundo Miami Há 12 Horas

Saco com é cobras encontrado nas calças de passageiro em aeroporto

fama MADONNA-RIO Há 11 Horas

Madonna fez da praia de Copacabana a maior pista de dança do mundo

fama Bruce Willis Há 12 Horas

Após diagnóstico de demência, como está Bruce Willis?

fama MADONNA-RIO Há 6 Horas

Madonna posta vídeo abraçada com Pabllo Vittar e agradece ao Brasil

brasil Rio Grande do Sul Há 8 Horas

Loja da Havan fica debaixo d'água em Lajeado, no Rio Grande do Sul

fama BERNARD-HILL Há 5 Horas

Morre Bernard Hill, que atuou em 'Titanic' e 'Senhor dos Anéis', aos 79 anos

tech Espaço Há 23 Horas

Missão europeia revela imagens mais detalhadas da superfície do Sol

fama Rio de Janeiro Há 12 Horas

Madonna encerra show histórico em Copacabana com homenagem a Michael Jackson