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BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) - A repressão da ditadura bielorrussa contra opositores ganhou nesta terça (8) um capítulo de mistério e ação: a líder oposicionista que havia sido agarrada na rua e desaparecido após ser empurrada para dentro de um furgão na segunda (7) reapareceu na fronteira com a Ucrânia.
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Segundo o regime, Maria Kalesnikava, 38, foi detida quando tentava deixar o país irregularmente.
Membros da oposição que foram levados pelo regime para a Ucrânia dizem que ela estava sendo expulsa à força e escapou pela janela do carro, depois de ter rasgado seu passaporte para impedir a entrada em um país estrangeiro (bielorrussos usam o passaporte como documento de identificação).
Kalesnikava era uma das três mulheres à frente da principal candidatura contra o ditador Aleksandr Lukachenko, 61, na eleição presidencial do dia 9 de agosto.
O resultado oficial, que deu a ele mais de 80% dos votos, foi considerado fraudado e deflagrou a onda de protestos que entra hoje no 31º dia. Nesse intervalo, o regime já havia expulsado 2 dos 7 líderes do conselho criado para negociar novas eleições, e outros 2 além de Kalesnikava estão presos.
Anton Rodnenkov e Ivan Kravtsov, dois membros do conselho de transição que foram levados pela ditadura para Kiev, descreveram à rádio ucraniana Liberdade como a oposicionista evitou ser expulsa do país.
"Cada um de nós passou o controle de fronteira de Aleksandrovka em um carro diferente, em direção à Ucrânia. Quando chegamos à zona neutra, teríamos que ir todos em um carro só. Vimos então Kalesnikava sendo trazida à força", diz Rodnekov.
"Ela fazia muito barulho e era evidente que estava resistindo. Ela foi empurrada para o banco de trás e bateram a porta. Ela gritou que não iria a lugar nenhum. Assim que viu seu passaporte no carro, ela o rasgou imediatamente em muitos pedaços, que apertou e jogou pela janela. Depois, saiu pela janela e foi andando de volta para a fronteira bielorrussa", descreveu ele.
Krastov disse que, quando Kalesnikava saiu pela janela do carro, policiais uniformizados a levaram para o micro-ônibus. "Achamos que seríamos detidos de novo, e pisei no acelerador, com uma manobra rápida antes que bloqueassem a estrada. Uma perseguição se formou atrás de nós, mas conseguimos chegar antes à fronteira da Ucrânia", diz.
Segundo ele, em seu carro havia passagens aéreas para Viena e de Viena para Munique, em nome de Kalesnikava.
Embora Lukachenko tenha dito a jornalistas russos pela manhã que a oposicionista queria "fugir para a Ucrânia, onde mora sua irmã", o pai da ativista, Aleksander Kolesnikov, negou essa intenção: "Ela sempre dizia 'aconteça o que for, não vou deixar a Belarus'".
O advogado Maksim Znak, que também faz parte da liderança do conselho de transição, afirmou que ela lhe disse a mesma coisa quando eles discutiram o que fazer caso fossem alvo de destino semelhante ao da colega Olga Kovalkova, detida e levada à força pela ditadura para a Polônia, segundo ela.
"No domingo à noite, Maria Kalesnikava tinha uma posição clara de que em hipótese alguma deixaria o país, apenas pela força", afirmou Znak à imprensa bielorrussa.
Segundo o vice-ministro do Interior da Ucrânia, Anton Gerashchenko, Kalesnikava sofreu uma tentativa de expulsão forçada, que não foi bem-sucedida "porque esta corajosa mulher agiu para impedir que a fizessem atravessar a fronteira".
Quando foi pega na segunda por homens em trajes civis e mascarados e levada em um furgão escuro, ela se dirigia ao correio para buscar dois documentos oficiais: uma carta da KGB (serviço secreto bielorrusso) e uma intimação por ter participado de manifestações (na Belarus, eventos públicos só são permitidos com autorização do regime).
A ativista estava detida no posto de fronteira de Mozyr, no sul do país, segundo o Comitê Estadual de Fronteiras. Ex-colegas de Kalesnikava durante a campanha eleitoral, porém, disseram que não há informação sobre quem havia feito a prisão nem por que motivo.
O conselho de transição foi criado pela frente de oposição para tentar negociar uma transição pacífica e novas eleições, mas o ditador se recusa a receber os membros do órgão.Na entrevista para os jornalistas russos nesta terça, ele afirmou que não falará com o conselho porque "não sabe quem são essas pessoas".
"Tudo o que eles oferecem é um desastre para a Belarus e para o povo bielorrusso. Querem cortar todos os nossos laços com a Rússia, que todas as nossas indústrias sejam destruídas e os trabalhadores fiquem desempregados", disse o ditador, segundo relato dos repórteres a vários veículos jornalísticos.
O ditador voltou a repetir que os protestos são fomentados por governos estrangeiros, principalmente pelos Estados Unidos, por meio de centros na Polônia e na República Tcheca, segundo ele.
Mas reconheceu que pode haver insatisfação interna: "Duas novas gerações cresceram na Belarus, e uma pequena classe de burgueses que querem o poder foi formada. Estou muito ofendido, mas entendo que algumas das pessoas que estão protestando agora simplesmente não sabem como era a Belarus há 20 anos, e algumas se esqueceram".
Lukachenko afirma que tem construído a Belarus há um quarto de século e que não vai abrir mão do poder. "Não vou simplesmente desistir. Estamos prontos para reformar a Constituição, depois disso não excluo eleições presidenciais antecipadas."
O ditador disse também estar "pronto para continuar a integração com a Rússia", mas afirmou que "primeiro é necessário que todas as instituições e os projetos já existentes no Estado da União [associação entre os dois países] realmente funcionem", segundo os repórteres que o entrevistaram.