Oposto de Messi, Maradona encarnou plebeu insolente, diz cientista político

"Maradona é passional, nacionalista, irracional, encarnou o plebeu insolente. Messi também é uma faceta da Argentina, de uma Argentina mais racional, que também pode ser genial, mas não encarna essa mesma essência", disse o cientista político argentino Andrés Malamud

© Getty

Esporte MARADONA 29/11/20 POR Folhapress

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Para o cientista político argentino Andrés Malamud, 52, o velório de Diego Armando Maradona, nesta quinta-feira (26), em Buenos Aires, foi desastroso do ponto de vista da organização, mas não será um elemento definidor da trajetória mítica do craque.

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Na opinião dele, que é professor da Universidade de Lisboa e conversou com a Folha por telefone, o presidente Alberto Fernández sofrerá desgaste perante a opinião pública do país, como "alguém que tentou tirar vantagem da imagem de Maradona" e contradisse seu discurso de combate à pandemia de Covid-19. Foi a Presidência que organizou a cerimônia na sede do governo, a Casa Rosada.

Malamund também levou a comparação de Diego com Lionel Messi, astro do Barcelona, dos campos para a política.

"Maradona é passional, nacionalista, irracional, encarnou o plebeu insolente. Messi também é uma faceta da Argentina, de uma Argentina mais racional, que também pode ser genial, mas não encarna essa mesma essência."

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PERGUNTA - O que significa Maradona dentro da história argentina?

ANDRÉS MALAMUD - Ele é popular porque encarna a parábola argentina. Nasceu numa família e num bairro muito humildes, conseguiu atingir a máxima glória e caiu em uma decadência profunda. Essa é a história da Argentina.

Em 1810, Buenos Aires era uma aldeia, e a Argentina era apenas uma parte muito pobre do antigo Império Espanhol. Em 1910, em seu centenário, Buenos Aires era quase mais rica que Paris, e os argentinos eram conhecidos por sua opulência em todo o mundo. Em 2010, já estávamos em franca decadência. Vivíamos a tragédia argentina, de ciclos de crises políticas e econômicas constantes. A tragédia de Maradona só não é constante porque foi interrompida por sua morte. Na vida de Maradona houve também essas três fases, ele passou por cada uma das etapas pelas quais passou o país.

PERGUNTA - Sua morte pode mudar algo na história política do país?

ANDRÉS MALAMUD - Não creio. Houve mortes assim. Uma delas foi a do médico René Favaloro [conhecido por realizar a primeira operação de ponte de safena do mundo]. Seu suicídio, em 2000, foi um episódio que também gerou consternação na sociedade e indicou o fim de período. Era um retrato do humor da sociedade, e daí a pouco viria a crise que levou ao fim do governo de Fernando de la Rúa.

Outro momento assim foi a morte misteriosa do promotor Alberto Nisman [encontrado com um tiro na cabeça em 2015, às vésperas de levar ao Congresso uma denúncia contra a então presidente Cristina Kirchner]. Essa morte foi outro retrato do humor da sociedade naquele momento. E o kirchnerismo perdeu as eleições e saiu do governo naquele ano. Ambas foram mortes estrondosas. Mas não creio que Maradona represente o humor da sociedade num período específico de sua história, porque representa a própria desmesura argentina em si, em toda a sua história. É por isso que é uma morte com celebrações, com exageros, um luto festivo.

PERGUNTA - Mas seu velório e o caos em que ele se transformou terão repercussões políticas, não?

ANDRÉS MALAMUD - Sim, seguramente. Houve dois motores para esse final caótico do velório. Uma foi a frustração enorme com a má administração, que deixou milhares de fãs sem poder chegar perto de Maradona. Por outro lado, foram às ruas aqueles que são impedidos de entrar nos estádios de futebol, que são os barras bravas [membros violentos das torcidas organizadas].

Estes não entram nos estádios porque os clubes já os têm marcados. Na rua, era impossível esse controle, mas ainda assim o governo deveria prever isso, que eles iriam estar presentes. E não previu, no seu afã de tirar crédito político do velório.

PERGUNTA - A imagem do presidente Alberto Fernández sairá desgastada?

ANDRÉS MALAMUD - Sim, certamente. Ficará como a de alguém que tentou tirar vantagem da imagem de Maradona. Que passou oito meses pedindo que os argentinos não saíssem de casa e respeitassem a distância social, mas que, na celebração a Maradona, juntou-se aos torcedores para tirar "selfies" com eles.

E depois por não ter conseguido impedir a confusão e por ter frustrado milhares de torcedores, que não puderam dizer adeus a seu ídolo.

PERGUNTA - Esse velório caótico ficará marcado como um momento da trajetória de Maradona?

ANDRÉS MALAMUD - Sim, mas não a definirá, porque Maradona eclipsa seu próprio velório. Não será algo que vai perdurar tanto no tempo para a geração que o viu jogar e os que vieram depois. Sua lenda sempre será maior do que esse velório desastrado.

PERGUNTA - Você identifica Maradona com alguma figura ou corrente política?

ANDRÉS MALAMUD - Maradona pode ser identificado ao peronismo, e Messi, ao antiperonismo. Maradona é passional, nacionalista, irracional, encarnou o plebeu insolente, que veio da favela e encarnou o sonho da igualdade. É a essência do peronismo. Messi também é uma faceta da Argentina, de uma Argentina mais racional, que também pode ser genial, mas não encarna essa mesma essência.

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