Tarantino dirá adeus ao cinema depois do próximo filme para virar escritor

Lançado no fim do mês passado no Brasil, o livro "Era Uma Vez em Hollywood" é uma expansão da versão cinematográfica da obra

© Getty

Cultura QUENTIN-TARANTINO 11/07/21 POR Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Era Uma Vez em Hollywood", o livro, abre com uma longuíssima conversa entre o ator Rick Dalton e o agente Marvin Schwarz, em que eles discutem os rumos da carreira do primeiro e a possibilidade de ele ir gravar na Europa. São vários minutos dedicados à conversa, lenta, cheia de detalhes e verborrágica, para a qual grandes estúdios certamente torceriam o nariz. Tanto que ela está presente numa versão simplificada e encolhida em "Era Uma Vez em Hollywood", o filme.

PUB

Os motivos para a existência da romantização do longa de 2019 aparecem logo de cara. Quentin Tarantino, o diretor, parece estar muito mais à vontade na versão de papel e tinta -ou PDF, que seja- para se alongar em aspectos pouco dinâmicos e visuais da trama sobre um antigo astro da televisão que passa por uma crise na carreira.

Tanto que, em conversa com a Folha, ele reafirma o desejo de se aposentar em breve do cinema, dizendo que é à literatura que ele pretende se dedicar depois disso. "Isso é algo que eu gostaria muito de fazer, experimentar com os livros", diz o cineasta, descontraído, em conversa por telefone.

Lançado no fim do mês passado no Brasil, o livro "Era Uma Vez em Hollywood" é uma expansão da versão cinematográfica da obra, que acompanhou o ator vivido por Leonardo DiCaprio e também seu dublê, Cliff Booth, personagem que garantiu um Oscar a Brad Pitt, na Los Angeles dos anos 1960.

Ambientado às vésperas do assassinato da atriz Sharon Tate -esta interpretada por Margot Robbie-, pela seita sanguinária liderada por Charles Manson, o longa versava sobre o fim da Era de Ouro do cinema americano e brincava com a ascensão dos spaghetti western -os filmes de faroeste feitos na Itália.

"As coisas estavam mudando em Hollywood mais rápido do que em qualquer outro momento, e isso pegou todos de surpresa. Esse era um aspecto que me interessava muito e que me motivou a escrever o roteiro e, agora, o livro", diz Tarantino. "Há toda uma geração de atores que é fruto dessa transição. E se você dirigisse de uma ponta à outra de Los Angeles, naquela época, você notaria que a cidade também estava mudando."

O período foi reconstituído com imensa atenção aos detalhes nas telas, em 2019 -tanto que o longa abocanhou também o Oscar de direção de arte-, algo que se repete agora no livro, mesmo que este não tenha elementos visuais à disposição.

Podem dizer que este seria um verdadeiro desafio para um cineasta como Tarantino, que pesa a mão nas cenas gráficas de violência e que confia cegamente na trilha sonora para ajudá-lo a cativar e impactar o público. Mas ele diz que o processo foi muito mais fácil do que pensava.

"Provavelmente as coisas mais violentas que eu já vi foram em livros, principalmente em romances de faroeste ou de terror. Quando o autor faz um bom trabalho descrevendo o que acontece, é tipo 'puta merda'. Quando você vê um filme, você se pergunta o tempo inteiro como aquelas coisas são feitas. Mas, lendo um livro, seu cérebro faz todo o trabalho -é o único lugar onde os efeitos especiais funcionam perfeitamente", diz

Este é o primeiro livro de Tarantino, que assinou um contrato para um par de publicações com a americana HarperCollins. O próximo projeto, "Cinema Speculation", conta, não será ficcional. Ele pretende se debruçar sobre o cinema dos anos 1970 e dividir com os leitores reflexões, opiniões e curiosidades sobre a produção do período, tudo pelo olhar de "um dos diretores mais celebrados do cinema e o seu mais devoto fã", anunciou a editora.

É no meio literário que Tarantino vai se refugiar em breve, depois que finalizar seu projeto de lançar dez longas e se aposentar da cadeira de direção -"Era Uma Vez em Hollywood" é o seu nono, já que o primeiro e o segundo volumes de "Kill Bill" valem por um único filme.

Ele acha pretensioso já se considerar escritor após um único romance, mas confessa que o plano parece bom. A ideia é sair de cena dentro de alguns anos para se dedicar a outras romantizações -"Cães de Aluguel" se apresenta como uma possibilidade-, histórias originais e até mesmo ao teatro.

Não que no cinema ele não tenha conquistado um lugar de liberdade artística relativamente alta, mas as expectativas e as obrigações nas páginas são menores do que nas telas, acredita. "Um filme envolve muitos dólares e muitas pessoas trabalhando. É um investimento artístico gigantesco. Por outro lado, um livro trabalha com números muito menores, então se você ler e gostar, ótimo, se detestar, foda-se."

Nesta estreia literária de Tarantino, personagens menores no cinema ganham novas e interessantíssimas camadas, como a própria Sharon Tate. À época da estreia, muitos criticaram o filme por dedicar poucas falas à atriz e por diminuí-la ao papel da loira bonitinha em busca da fama.

No livro, entendemos melhor sua trajetória rumo a Hollywood e o casamento com o diretor Roman Polanski.No final dele, aliás, não espere a catarse cinematográfica protagonizada por Pitt e seu pitbull e DiCaprio e seu lança-chamas, que impedem que o clã de Manson assassine Tate, reescrevendo a história. O desfecho nas páginas é outro, mais comedido -mas um que Tarantino diz ter sido uma alternativa imaginada inicialmente para o próprio longa.

Outro personagem que ganhou mais espaço em "Era Uma Vez em Hollywood" foi Cliff Booth, que agora tem seu passado como veterano da Segunda Guerra explicado, bem como a morte suspeita de sua própria esposa. Nas páginas ele é fã de filmes europeus e asiáticos, especialmente de Akira Kurosawa, em oposição a Rick Dalton, que acredita que cinema de verdade é Hollywood.

Mas Tarantino conta que esse novo Cliff não é exatamente um cinéfilo -ele apenas acredita ser, mas não entende tão bem assim o fazer cinematográfico. Logo ao ser introduzido, ele é rápido ao disparar que "Antonioni é uma fraude".

"Esse é um personagem que só funciona tão bem no filme justamente porque ele é um enigma. Muito é apresentado e pouco é explicado. Para o livro, achei que seria interessante conhecê-lo melhor. Diferentemente dele, eu sou um cinéfilo de verdade e posso até concordar com algumas coisas que ele diz, mas por razões diferentes", diz, fugindo das críticas ao companheiro italiano, diretor de "Blow-Up - Depois Daquele Beijo".

Na vida real, quem vem recebendo críticas é o próprio Tarantino, por causa de sua abordagem para Bruce Lee em "Era Uma Vez em Hollywood", considerada racista por alguns e ainda mais problematizada com o lançamento do livro. Shannon Lee, filha do ator, disse recentemente estar "cansada de homens brancos", que não sabem quem de fato era seu pai.

O cineasta diz não querer falar sobre o assunto, mas reafirma o que já disse em outras ocasiões: "Nunca foi minha intenção antagonizar a família dele ou fazer parecer que eu odeio o Bruce Lee, porque eu não o odeio".

Tarantino sempre concebeu os próprios roteiros, então sua história com a escrita não é tão nova quanto este romance. Suas duas estatuetas do Oscar, afinal, não são pelo seu trabalho como diretor, mas pelo de roteirista. Mas cinema é sua verdadeira paixão e, mesmo se de fato se aposentar, ele pretende manter a intimidade de sua relação com o meio.

Tanto que o cineasta comprou, na semana passada, mais um cinema histórico de Los Angeles. "Ser exibidor é legal", ele diz, e funciona muito mais como um hobby do que como uma ocupação ou investimento. Ele não é fã das plataformas de streaming -algo que parece óbvio para alguém que ainda filma em película- e acredita que há espaço para as salas tradicionais, desde que elas ofereçam algo que motive o público a sair de casa.

"Eu não acho que nós, cineastas, necessariamente temos uma obrigação em comprar cinemas e mantê-los abertos. Eu faço isso porque gosto, gosto de proporcionar esse tipo de experiência para as pessoas", afirma. "Eu não sei como será o futuro, mas definitivamente ainda há mercado para os cinemas.

ERA UMA VEZ EM HOLLYWOODPreço R$ 49,90 (560 págs.); R$ 34,90 (e-book)Autor Quentin TarantinoEditora Intrínseca

PARTILHE ESTA NOTÍCIA

RECOMENDADOS

politica CHUVA-RS Há 12 Horas

Mortes pelas chuvas chegam a 75 e governador fala em 'Plano Marshall'

mundo Miami Há 21 Horas

Saco com é cobras encontrado nas calças de passageiro em aeroporto

justica Santos Há 17 Horas

Homem é flagrado abusando sexualmente de moradora em situação de rua

fama MADONNA-RIO Há 20 Horas

Madonna fez da praia de Copacabana a maior pista de dança do mundo

fama MADONNA-RIO Há 15 Horas

Madonna posta vídeo abraçada com Pabllo Vittar e agradece ao Brasil

fama Bruce Willis Há 21 Horas

Após diagnóstico de demência, como está Bruce Willis?

fama BERNARD-HILL Há 14 Horas

Morre Bernard Hill, que atuou em 'Titanic' e 'Senhor dos Anéis', aos 79 anos

brasil Rio Grande do Sul Há 17 Horas

Loja da Havan fica debaixo d'água em Lajeado, no Rio Grande do Sul

mundo enchentes no Rio Grande do Sul Há 14 Horas

Papa Francisco reza por vítimas de chuvas no Rio Grande do Sul

brasil CHUVA-RS Há 14 Horas

Nível recorde do Guaíba coloca Porto Alegre em alerta de 'inundação severa'