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ANA ESTELA DE SOUSA PINTOBRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) - Milhares de pessoas participaram neste sábado da Marcha do Orgulho de Budapeste, que neste ano teve como tema principal o protesto contra a chamada lei anti-LGBT do governo do nacionalista Viktor Orbán.
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Organizadores estimaram a presença de 30 mil pessoas, 50% mais que o público da edição anterior, em 2019. O acirramento da polarização política no país foi uma das casas do comparecimento apesar da ainda presente pandemia de Covid-19, disseram à reportagem, por telefone, moradores de Budapeste que participaram do evento.
"O governo ultrapassou vários limites ao atacar não só direitos dos LGBT, mas direitos humanos", afirmou o arquiteto Fredek Vajda, 42, que participou da parada pela primeira vez, ao lado da mulher, Ilona, 39, e da filha Aliz, 16.
Nos últimos dois anos, Orbán promoveu uma escalada de ataques a direitos LGBT, entre eles a proibição de que transgêneros possam mudar de nome e a definição legal de família como apenas aquela formada por um pai do sexo masculino e uma mãe do sexo feminino.Na investida mais recente, o governo, que controla mais de dois terços do Parlamento húngaro, aprovou uma lei que proíbe "disponibilizar a menores de 18 anos pornografia ou representação da sexualidade para seus próprios fins, ou que implique qualquer desvio da identidade do sexo com o qual a pessoa nasceu, ou mudança de gênero e homossexualidade".
Segundo Aliz, vários de seus colegas do Ensino Médio também vieram à marcha, por discordar da nova lei. "A escola é um lugar em que ainda podemos e onde queremos nos expressar. Tenho amigos que não são heterossexuais e cada vez mais temem que a vida vire um inferno", disse a adolescente.
Em março, Orbán já havia processado uma emissora de TV por mostrar uma família LGBT em um comercial. O governo também proibiu a circulação de um livro de contos de fadas que incluía relações homoafetivas.
Outro ingrediente que ajudou a fermentar o protesto deste sábado é a eleição do próximo ano, na qual o premiê conservador deve enfrentar o candidato de uma frente única de oposição, formada por seis dos principais partidos, de todo o espectro político.
A marcha acontece justamente nos domínios de um dos principais idealizadores dessa frente única de oposição, o prefeito de Budapeste, Gergely Karácsony, 46. As siglas anti-Orbán ainda não escolheram seu candidato, mas o jovem político ambientalista é apontado como um dos favoritos.
É também por causa da eleição que o atual primeiro-ministro começou a elevar a retórica anti-LGBT —segundo analistas húngaros, dentro da usual tática populista de criar um inimigo comum e se apresentar como o homem forte capaz de combatê-lo.
O principal alvo de Orbán na década passada eram os imigrantes, mas o premiê voltou sua bateria contra minorias não heterossexuais depois que a crise dos refugiados arrefeceu. No caso da lei aprovada em junho, ativistas de direitos humanos dizem que, além de prejudicar a educação e a cultura, o governo criou uma falsa associação entre homossexualidade e pedofilia.
"Esta lei húngara é uma vergonha", afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no fim de junho.
Na última semana, a Comissão deu início a uma ação legal contra a medida, alvo de protestos tanto da UE como de progressistas húngaros. Uma das consequências do processo pode ser a suspensão do repasse de fundos ao país, mas a tramitação costuma levar vários anos.
Equanto isso, o premiê dobrou a aposta contra seus críticos, anunciando que fará um referendo sobre o texto aprovado no Parlamento. Como em outras consultas já feitas pelo governo húngaro, o referendo inclui perguntas tendenciosas, segundo opositores.Uma delas, por exemplo, questiona os eleitores sobre se "conteúdo que possa afetar a orientação sexual deveria ser mostrado a crianças sem restrições".
Neste sábado, húngaros anti-LGBT organizaram contramanifestações em locais por onde passou a parada, ao lado do rio Danúbio, com faixas e gritos de "gays sujos" e "queremos a normalidade", segundo participantes do evento.*ENTENDA O CASOQuem é o primeiro-ministro da Hungria?Viktor Orbán, 58, estudou inglês, direito e ciência política. Virou líder do partido Fidesz, em 1993, e o fez migrar de sua linha liberal para uma plataforma conservadora, nacionalista e populista.Orbán foi primeiro-ministro pela primeira vez de 1998 a 2002. Voltou ao governo em 2010 e, com o controle do Parlamento, mudou leis eleitorais que facilitaram a seu partido obter mais assentos com menor número de votos. Foi reeleito em 2014 e 2018.A plataforma política de Orbán sempre foi anti-LGBT?Não. O político conservador segue a estratégia populista de criar inimigos contra os quais se apresenta como um líder de pulso firme capaz de defender a população.Desde que voltou ao poder em 2010, já foram escolhidos como alvos principais os comunistas, os imigrantes, a União Europeia, os capitalistas judeus (especialmente o húngaro-americano George Soros) e, nos últimos três anos, os LGBT.Segundo a historiadora Eva Balogh, Orbán não é pessoalmente homofóbico e essa não é uma questão ideológica do partido. "O alto escalão do Fidesz sabe há 30 anos que József Szájer, um dos amigos íntimos e aliados políticos de Orbán, é gay, mas sua orientação sexual não era problema em sua comunidade política", escreve ela em seu blog Hungarian Spectrum.Que direitos já foram retirados dos LGBT?Alterações na Constituição lideradas por Orbán limitaram a definição de família, por exemplo, à formada por um homem e uma mulher, e determinaram que o gênero de uma pessoa deve ser o biológico.Na prática isso impede que transexuais alterem seus nomes e, além de abolir direitos civis de casais do mesmo sexo, restringe fortemente a possibilidade de adoção por quem não estiver em casamento católico.Como a lei antipedofilia afeta os direitos LGBT?O Fidesz, partido controlado por Orbán, inseriu na lei uma seção que diz: "Para os fins desta lei e para garantir os direitos da criança, é proibido disponibilizar a menores de 18 anos pornografia ou representação da sexualidade para seus próprios fins, ou que implique qualquer desvio da identidade do sexo com o qual a pessoa nasceu, ou mudança de gênero e homossexualidade".Ou seja, cria uma identificação entre homossexualidade e pedofilia e impede a educação sexual e até mesmo a menção à homossexualidade nas escolas.O que diz Orbán sobre essa lei?Orbán e membros de seu governo têm dito que a intenção da lei é garantir que "a educação sexual dos filhos pertence exclusivamente aos pais", embora o texto aprovado não faça nenhuma menção à palavra pai."Ativistas LGBTQ visitam creches e escolas na UE e ministram aulas de educação sexual. Eles querem fazer isso também aqui na Hungria", afirmou o premiê no final de julho, ao prometer um referendo sobre a legislação.Por que Orbán agora ataca os LGBT?Oposicionistas o acusam de tentar tirar a atenção da onda de críticas que ganhou as ruas após a tentativa do governo de construir em Budapeste um campus da Universidade Fudan, na China.Para alguns analistas, o ataque aos LGBT é uma estratégia política oportunista, que encontra eco no eleitorado mais conservador do interior do país. A historiadora Eva Balogh vê "um cálculo político frio, ditado pela ameaça da oposição unida, que pode derrubar o partido de Orbán em abril de 2022".Qual a reação da União Europeia?O comissário responsável por Justiça, Didier Reynders, e o comissário para mercado interno, Thierry Breton, deram o primeiro passo para uma ação legal contra a Hungria: enviaram uma carta à ministra da Justiça húngara, Judit Varga, pedindo esclarecimentos. Ela tem prazo até o final deste mês.Líderes da maioria do smembros do bloco assinaram uma carta pedindo que a Comissão Europeia (Poder Executivo da UE) reagisse contra a lei, que, segundo eles, "representa uma forma flagrante de discriminação com base na orientação sexual, identidade e expressão de gênero e portanto, merece ser condenada".A Hungria pode ser obrigada a rever a lei?Não diretamente, mas há três caminhos para tentar pressioná-la.1) O primeiro é o da Justiça. Após a resposta da ministra húngara ao questionamento feito nesta semana, a Comissão pode iniciar um processo por infração, obrigando a Hungria a alterar a lei.Caso a Hungria se recuse, o caso irá para o Tribunal de Justiça Europeu. Se a decisão final for a de que a lei húngara fere o direito europeu, o governo da Hungria pode ser punido, mas esse processo pode durar anos.2) Outro caminho de pressão é um procedimento disciplinar conhecido como artigo 7º, que a Comissão Europeia aplica quando considera que um de seus membros pode estar violando valores essenciais da UE. No limite, os procedimentos do artigo 7º podem levar à suspensão de direito de voto de um país no Conselho Europeu, órgão que reúne os governos dos 27 membros.Para isso, no entanto, é necessária aprovação unânime dos outros 26 membros, algo improvável porque a Polônia, também sob investigação, apoia o governo de Orbán.3) Um novo instrumento, fruto de um acordo não muito enfático firmado no ano passado, é tentar vincular o repasse dos recursos bilionários de reconstrução pós-pandemia ao respeito aos valores da UE e ao Estado de Direito.Como o texto não estabelece firmemente essa barreira, aplicá-la dependeria de força política da Comissão e diplomacia. Não é pouco o que está em jogo: a Hungria pleiteia receber 50 bilhões de euros (R$ 296 bi), certa de um terço de seu PIB anual.