Claude Lanzmann nos ensinou a cumprir com nosso dever de memória

Em 'Shoah' (1985), realizador francês absteve-se de remontar qualquer material de arquivo

© Eric Gaillard/Reuters

Cultura Luto 05/07/18 POR LÚCIA MONTEIRO, para a Folhapress

LÚCIA MONTEIRO - Existiria imagem capaz de expressar o horror do extermínio dos judeus pelo nazismo? A resposta de Claude Lanzmann à espinhosa questão está em "Shoah" (1985), filme de nove horas e meia que consumiu mais de dez anos da vida do realizador. 

PUB

Nesta, que é sua obra mais conhecida e mais radical, o realizador francês absteve-se de remontar qualquer material de arquivo. O filme apresenta testemunhos de sobreviventes judeus, de camponeses que viviam próximos aos campos de extermínio e de algozes. Além de seus rostos e corpos que rememoram o horror no presente, as únicas imagens usadas retratam os locais em que as histórias narradas se passaram - e foram feitas pelo próprio cineasta.

A opção adotada por Lanzmann ia na contramão do filme mais importante que a França havia feito sobre o assunto até então. Em "Noite e Neblina" (1955), Alain Resnais combinara filmagens próprias, em cores, com imagens em preto e branco encontradas em museus, acervos de emissoras de televisão e coleções diversas.

Tratava-se de uma postura consciente, que valoriza o testemunho e a memória em detrimento da imagem. Simone de Beauvoir viu nisso o grande trunfo do filme: "A grande arte de Claude Lanzmann é de fazer com que os lugares falem, é ressuscitá-los por meio das vozes e, para além das palavras, exprimir o indizível pelos rostos".

Não surpreende, portanto, que o cineasta tenha reagido com violência a produções subsequentes que procuraram retratar a Shoah por meio da ficção ou valendo-se de fotografias e filmes de época. O cineasta e seus colaboradores reunidos em torno da revista Les Temps Modernes se opuseram veementemente, por exemplo, a Steven Spielberg e seu "A Lista de Schindler" (1993).

O filósofo Georges Didi-Huberman também foi alvo da crítica lanzmanniana ao jogar luz sobre quatro fotografias, hoje célebres, feitas clandestinamente em 1944 por membros do Sonderkommando que conseguiram fotografar o processo de extermínio em Auschwitz-Birkenau. 

Antes do embate entre Didi-Huberman e Lanzmann, o cineasta e crítico francês Jacques Rivette já havia recebido de maneira virulenta "Kapò" (1960), ficção do italiano Gillo Pontecorvo ambientado em um campo de concentração.

Com o título "Sobre a Abjeção", Rivette condenava o filme de Pontecorvo por sua postura imoral, ao fazer um travelling de aproximação que mostrava o corpo de uma prisioneira morta na cerca eletrificada.

É difícil restituir de maneira resumida as respostas contrastantes à questão que inicia este texto. De fato, nenhuma imagem - como aliás nenhuma palavra - é capaz de exprimir o horror do genocídio perpetrado pelos nazistas contra o povo judeu. Nenhuma imagem diz o momento da Catástrofe.

Quem passou pela câmera de gás não sobreviveu para narrar. Nenhuma fotografia pode expressar o que foi um campo de extermínio. As imagens ainda assim existem, e, existindo, nos ajudam a imaginar essa terrível realidade - ainda que representá-la de maneira fidedigna seja operação fracassada de saída.

Não é possível escolher uma ou outra posição no embate entre imagem e não imagem, entre Lanzmann e Didi-Huberman. Temos, sim, que cumprir com nosso dever de memória, memória viva e a partir do presente, como ensinou o realizador de "Shoah".

E aceitar o paradoxo descrito por Adorno: "Escrever poesia depois de Auschwitz é um ato bárbaro, e isto corrói até o conhecimento da razão pela qual hoje se tornou impossível escrever poesia". Com informações da Folhapress.

PARTILHE ESTA NOTÍCIA

RECOMENDADOS

fama Rei Charles III Há 21 Horas

Saúde de Charles III piora e detalhes do funeral são refeitos, diz site

lifestyle Câncer Há 19 Horas

10 sintomas de câncer que muitas vezes passam despercebidos

fama Harry Há 22 Horas

Príncipe Harry deixou residência real ‘ aos prantos’ após ser despejado

fama Argentina Há 22 Horas

Miss Universo Buenos Aires elege modelo de 60 anos; conheça

fama Salma Hayek Há 21 Horas

Salma Hayek celebra 15 anos de casamento com fotos inéditas da cerimônia

fama Luto Há 12 Horas

Morre Anderson Leonardo, vocalista do Molejo, vítima de câncer

esporte Brasil Há 16 Horas

Estátua de Daniel Alves em Juazeiro vai ser retirada; entenda

fama Redes Sociais Há 13 Horas

Livian Aragão, filha de Didi, sugere plágio e leva invertida na web

lifestyle Peso Há 21 Horas

Especialista revela os alimentos populares que engordam (e muito)

fama Emergência Médica Há 20 Horas

Cantor Anderson Leonardo, tem piora, e seu estado de saúde é grave