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Polícia pode entrar em casas para perseguir fugitivo, mas só se tiver indícios

Especialistas falam sobre agentes invadirem casas para perseguirem fugitivos

Polícia pode entrar em casas para perseguir fugitivo, mas só se tiver indícios
Notícias ao Minuto Brasil

20:15 - 11/05/21 por Folhapress

Justiça Polícia

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Cenas de casas ensanguentadas e relatos de invasões de imóveis na favela do Jacarezinho durante a operação mais letal do Rio de Janeiro, na última quinta (6), levantaram críticas e dúvidas sobre as situações em que policiais podem ou não entrar em residências.

O entendimento de sete juristas e policiais militares que não estão mais na ativa consultados pela Folha é de que os agentes têm a prerrogativa de invadir casas para perseguir fugitivos mesmo sem mandados judiciais, mas apenas quando têm fortes indícios de que eles estão mesmo ali.

"Se não tiver consentimento do dono, só com mandado. Se não tiver mandado, apenas se tiver flagrante dentro da casa ou uma perseguição clara e iminente", resume Robson Rodrigues, coronel da reserva e ex-chefe do Estado-Maior da Polícia Militar fluminense.

"Se não tiver ciência do que está acontecendo na casa, entrar sem autorização é crime. E claro que a pretexto de fazer isso você não pode violar o direito de outras pessoas. Pode entrar mas não pode bater, causar constrangimentos ilegais", afirma.

Jacarezinho, a operação da Polícia Civil foi motivada por mandados de prisão por tráfico de drogas com endereços de 21 pessoas, entre as quais três foram mortas e três foram presas. Além delas, outros 24 civis morreram e mais três foram detidos em flagrante.

As circunstâncias ainda estão sendo apuradas, mas os registros das ocorrências feitos pelos agentes descrevem mortes em ao menos três residências. Moradores e presos dizem que agentes entraram em diversas casas indiscriminadamente e narram assassinatos em alguns locais mesmo após rendição.

A polícia rebate que quem invadiu as casas foram os criminosos, que foram filmados pulando lajes. "Muitas vezes atendendo a pedidos de socorro dos moradores, a polícia foi até o local e conseguiu prender alguns e confrontar outros que acabaram falecendo", disse o delegado Fabrício Oliveira, chefe da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core).

Segundo os profissionais consultados, a lei que garante o direito à inviolabilidade do domicílio é a própria Constituição, no artigo 5º: "Ninguém nela pode penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".

O Código de Processo Penal considera em flagrante quem está cometendo a infração, quem acaba de cometê-la e quem é perseguido ou encontrado logo depois "em situação que faça presumir ser autor da infração" (por autoridade ou por qualquer pessoa).

A lei também diz que, "em casa habitada, a busca será feita de modo que não moleste os moradores mais do que o indispensável para o êxito da diligência" e que, em caso de mandado judicial, ele deverá indicar, "o mais precisamente possível", a casa e o nome do proprietário ou morador.

"Mandado coletivo é terminantemente proibido. Você não pode pedir um mandado para o prédio tal. O grande problema das favelas é esse, colocam a rua. Não é porque a pessoa mora num barraco que não tem o direito da inviolabilidade do domicílio", ressalta Thiago Minagé, presidente da Abracrim-RJ (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas).

Paulo Storani, ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais) e consultor em segurança pública, diz que é natural que a polícia entre atrás de fugitivos e afirma que o proprietário tem o direito de fazer uma denúncia de abuso de autoridade caso se sinta lesado. Também destaca que em favelas muitas vezes é difícil achar endereços.

"Numa operação policial em que você está em perseguição dentro de uma comunidade ou com a suspeita de ter entrado alguém ali, você pode tomar a decisão de entrar. Se a suspeita não for fundada, o policial pode ser responsabilizado por isso", afirma.

O advogado criminalista Mauro Otávio Nacif, professor de processo penal da ESA (Escola Superior de Advocacia), pondera que isso pode ser feito, mas se houver elementos concretos: "Se o policial acha ou apenas ouviu que tem alguém ali, não pode entrar. Agora, se tem filmagem, se ele viu o criminoso entrando ou ouviu alguém gritando, pode".

Ele também cita um dispositivo no Código Penal que se chama "regra da putatividade", uma espécie de "direito de errar". Ou seja, nesse caso, o policial não será punido se provar que havia indícios suficientes para achar que um crime estava sendo cometido ali, mesmo não tendo encontrado nada.

No caso da operação no Jacarezinho, o coronel reformado Wanderby Braga de Medeiros, que já foi corregedor e chefe da seção jurídica da PM do RJ, vê como "exagero" justificar a entrada da polícia nas casas pela busca por criminosos em flagrante e argumenta que isso não aconteceria em bairros sem favelas.

"Não me parece razoável buscar essa justificativa, inclusive com relatos de crianças ali dentro. Ainda que estivessem perseguindo criminosos em fuga, entrar não aumentou o risco para as pessoas que lá estavam? Elas não deveriam ser protegidas pela polícia? Acredito que isso seja mais importante do que prender", opina.

Já o coronel da reserva Mário Sérgio Duarte, ex-comandante geral da Polícia Militar (2009-2011), avalia que a perseguição fez parte de um contexto de conflito urbano armado que não pode ser visto como simples criminalidade e que se houvesse rendição provavelmente os policiais não teriam entrado nas casas.

"A realidade da favela é que moradores vivem a opressão do tráfico e precisam manter a casa aberta por ordem de traficantes, para que se escondam. Se eles estão fugindo da força policial, é claro que vão atrás deles mesmo dentro dos bueiros se houver necessidade", afirma.

Na visão do coronel da reserva Valmir Alves Brum -que foi o equivalente a um corregedor da PM nos anos 1990 e também comandou batalhões especiais-, antes das perseguições pode ter havido um erro inicial na operação, sem a neutralização do atirador que matou o policial civil André Frias quando ele descia do blindado para retirar uma barricada.

"É lamentável a morte do policial e poderiam ter morrido outros policiais, porque não pareciam ter o domínio da situação. Criminosos também poderiam ter sido presos sem uma letalidade extremada. Isso levanta a pergunta: havia necessidade de ocorrer o que ocorreu? Só uma investigação vai dizer", afirma.

O Ministério Público anunciou nesta terça (11) a criação de uma força-tarefa com quatro promotores para investigar as 28 mortes e 5 tentativas de homicídio contra policiais no Jacarezinho, além de 2 pessoas feridas no metrô. O grupo conduzirá uma apuração paralela à da Divisão de Homicídios, como prevê determinação do STF (Supremo Tribunal Federal).

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