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Cidade majoritariamente branca do RS adota disciplina escolar para discutir racismo

As ações, outrora pontuais, foram integradas ao currículo escolar no ano passado.

Cidade majoritariamente branca do RS adota disciplina escolar para discutir racismo
Notícias ao Minuto Brasil

16:00 - 08/10/22 por Folhapress

Brasil EDUCAÇÃO-RS

TATIANA CAVALCANTI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Alunos das escolas municipais de Caxias do Sul (RS), cidade com população majoritariamente branca, passaram a ter discussões voltadas para a promoção de relações étnico-raciais. As ações, outrora pontuais, foram integradas ao currículo escolar no ano passado.


Integrantes do Querer (Qualificar a Educação para as Relações Étnico-Raciais), núcleo da Secretaria Municipal de Educação, elaboram atividades temáticas a cada dois meses para as escolas desenvolverem ao longo do bimestre.


São rodas de conversa que discutem temas como o racismo e o preconceito contra povos nativos; incentivo à literatura de autores afrodescendentes e indígenas, como Carolina Maria de Jesus e Daniel Munduruku; além da exibição de filmes com protagonismo negro. As aulas de história passaram a discutir figuras invisibilizadas que ajudaram a construir a nação brasileira.


Segundo Paula Martinazzo, diretora pedagógica da secretaria, sua equipe já assumiu a gestão com o desejo de aprofundar esses temas nas 83 escolas de ensino fundamental e nas 48 de educação infantil compartilhadas, que totalizam 42 mil estudantes.


"Embora as questões étnico-raciais já estivessem previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, o que de fato ocorria nas nossas escolas eram trabalhos isolados, muitas vezes concentrados na semana da Consciência Negra, em novembro", afirma Paula.


Sophya Domingues Marcos, 13, é aluna do 7º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Ruben Bento Alves e tem descendência negra por parte da mãe. Boa desenhista, ela venceu competição escolar para escolher a logotipo do Querer.


Ela elaborou a imagem de uma efígie feminina negra, de cabeleira espessa adornada por um pente-garfo vermelho, rodeada por uma mandala colorida, referências que ela conheceu nas aulas. "A profe foi me ajudando a melhorar o desenho para chegar no resultado final", afirma Sophya.


De acordo com os dados mais recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), do total da população de Caxias do Sul, em 2010, 82% se declarou branca, 13% parda, 3% preta, 0,41% amarela e 0,11% indígena.


Para a diretora pedagógica, embora a minoria se afirme negra, a realidade nas escolas públicas municipais não é essa. "A gente tem muitos alunos que não se autodeclaram negros ou, mais grave ainda, não se percebem como [negros]."
Paula explica que esses alunos acabam inseridos em uma cultura muito forte e predominante na cidade, a italiana, que não deixa de ser importante, em sua opinião.


"Mas é necessário dar visibilidade a todos os povos que ajudaram a construir a riqueza que é Caxias do Sul, a segunda maior cidade do estado e erguida por muitos povos. A gente quer que a cidade enxergue seus negros, pardos e descendentes indígenas."


As atividades já tiveram um efeito prático sobre os alunos ao preencherem as informações do censo escolar, de acordo a professora Joelma Couto Rosa, assessora pedagógica do núcleo. "Algumas escolas registraram uma média de 30% a 40% de estudantes que se consideram negros ou pardos."


Joelma explica que a atividade mais recente sugerida pelo núcleo foi um vídeo problematizando a presença negra na cultura gaúcha. "A gente quer trazer essa discussão às escolas de forma atualizada e sem tabus."


Ela afirma ainda que as ações étnico-raciais têm como objetivo mapear e trabalhar a identidade dos alunos. Uma das ferramentas utilizadas foi o censo escolar.


"Em março, enviamos uma proposta às escolas: fazer um diagnóstico desses alunos para montar o perfil étnico-racial. Caxias do Sul tem uma presença negra significativa, tem pluralidade, mas que não é expressada por meio dos dados", diz Joelma.


Outra aluna que representa essa pluralidade é Yasmin Zanetti de Brito, 10, do 5º ano da escola Professora Marianinha de Queiroz. Ela frequenta a umbanda em família e seu pai recebe uma entidade indígena. Por essa razão, a garota já tem contato com tambores e outros artefatos dos povos originários.


"Essas aulas têm me ensinado bastante sobre os indígenas. Até discutimos o preconceito que eles sofrem. É um povo que tem que lutar para manter suas raízes", diz Yasmin.


Paula Martinazzo afirma que o interesse da secretaria era que essas temáticas chegassem às escolas de uma maneira lúdica e atrativa não só para os estudantes mas também para os docentes.


Grasiele da Silva, professora de artes de Sophya, diz que o núcleo Querer acrescentou "muita coisa" à escola que, segundo ela, pertence a uma realidade de classe baixa.


"Os alunos ficam entusiasmados com as discussões, todos aprendem. Mas alguns já vêm com preconceitos formados, difíceis de mudar. Após essas ações, a maioria remodelou sua forma de pensar e de agir."
As atividades do Querer também estão sendo aplicadas nas escolas estaduais do Rio Grande do Sul, para turmas dos 8º e 9º anos e do ensino médio.


A coordenadora regional da Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar, Marivane Carvalho, diz que os alunos não diferenciavam bullying e racismo. "Começamos a montar estratégias para lidar com essa situação e nos deparamos com o Querer."


Ela explica que a primeira atividade foi palestra de Joelma, seguida da exibição do filme "Pantera Negra", o que, segunda, ajudou a ampliar conceitos entre os alunos.

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