Meteorologia

  • 28 MARçO 2024
Tempo
--º
MIN --º MÁX --º

Edição

Valéria foi algemada em um conflito entre dois advogados, afirma juiz

Segundo a OAB, Valéria estava "absolutamente correta", e o ato foi uma grave violação

Valéria foi algemada em um conflito entre dois advogados, afirma juiz
Notícias ao Minuto Brasil

05:23 - 15/09/18 por Folhapress

Brasil Rio de Janeiro

O caso de Valéria Lucia dos Santos, algemada durante uma audiência no estado do Rio, foi um conflito entre dois advogados, afirma o juiz estadual de Mato Grosso, José Arimatéa Neves, vice-presidente de Prerrogativas da Associação de Magistrados do Brasil (AMB). Assista aqui.

"Na verdade foi um advogado prendendo outro. Porque o juiz leigo não deixa de ser advogado, não perde esse vínculo. Se aproxima mais da figura de um conciliador do que de um juiz de carreira", diz ele. O juiz leigo auxilia a Justiça em alguns juizados especiais, mas a decisão final é de um togado.

A juíza leiga envolvida no caso, Ethel Tavares de Vasconcelos, está inscrita e tem registro ativo na OAB-RJ. Segundo a instituição, no dia seguinte ao fato, o presidente da Comissão Estadual de Prerrogativas da OAB, Luciano Bandeira, pediu a instauração de processo interno, no Tribunal de Ética e Disciplina da instituição, para apuração dos fatos. Uma audiência será realizada para ouvir as partes.

Advogada algemada comenta prisão: 'Não sei quem deu ordem'

"As punições podem ir da censura até a exclusão dos quadros da Ordem", afirmou a OAB-RJ, por meio de nota.

Segundo Arimatéa, o juiz leigo ganha por produção, isto é, por número de sentenças, e pode continuar advogando, contanto que não atue nos juizados especiais enquanto permanecer na função.

"Um juiz leigo pode prender alguém na audiência assim como qualquer pessoa do povo. Se qualquer cidadão presenciar um crime, ele pode prender a pessoa e apresentá-la a uma autoridade. É nessa condição que um juiz leigo poderia prender, diferentemente do juiz togado, que prende em nome da lei", afirma Arimatéa.

Na última segunda-feira (10), a advogada Valéria Lucia dos Santos, 48, foi algemada por policiais durante uma audiência em Duque de Caxias, no estado do Rio. Valéria e a juíza leiga discutiram, porque a advogada exigia ter acesso à peça da defesa. A juíza negou o pedido e chamou os policiais.

Pessoas na sala gravaram vídeos da discussão, mas não é possível ver todos os momentos ou o início do episódio. Segundo a OAB, Valéria estava "absolutamente correta", e o ato foi uma grave violação. A advogada afirmou à reportagem que sofre diariamente com preconceito no trabalho e não se sente representada no Judiciário.

Questionado, o Tribunal de Justiça do Rio disse, em nota, que a juíza leiga pediu a presença de policiais "para conter uma advogada que não havia acatado orientações da magistrada". A reportagem pediu ao TJ-RJ para entrevistar Ethel Tavares de Vasconcelos, mas não teve resposta. A AMB não quis se posicionar sobre o caso específico, por afirmar que a juíza não é togada e não seria representada pela associação.

Prisão Arimatéa, que atuou como juiz criminal por vinte anos e na vara bancária por mais cinco, diz que nunca precisou prender alguém em audiência. Em situações muito graves, de confronto físico, costumava chamar os policiais para apartar a briga. Se não fosse possível acalmar os ânimos, suspendia e remarcava a audiência para outra data. 

"Já vi advogado desafiar o promotor a sair no tapa, partir para cima, empurrar a mesa para cima do promotor, e nunca precisei prender ninguém. Sempre usei o bom senso para contornar as situações. Me parece desproporcional o que essa juíza leiga fez", afirmou.

Após a repercussão do caso de Valéria dos Santos, Luciano Bandeira, da área de prerrogativas da OAB-RJ, disse que um advogado só pode ser preso no exercício da profissão se houver um flagrante por crime inafiançável. "Ou seja, mesmo se ela tivesse cometido crime de desacato ou desobediência, o que não ocorreu, ela não poderia ser presa". 

A regra faz parte do Estatuto da Advocacia, a lei federal 8.906, de 1994. "O advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de exercício da profissão, em caso de crime inafiançável", diz a legislação. Além disso, é preciso que um representante da OAB esteja presente no ato.

No entanto, nem todos os juízes concordam com esse posicionamento de Bandeira. Segundo Arimatéa, é possível interpretar se o advogado ultrapassou os limites do exercício profissional.

"Se o advogado dá um tapa na cara ou um murro em uma testemunha em uma audiência, ele pode sim ser conduzido à delegacia, porque extrapolou os limites da profissão. Ele pode ser preso, mas tem que ser comunicado imediatamente à OAB", diz.

No caso de desacato, Arimatéa afirma que o advogado pode ser conduzido à presença de autoridade para fazer um termo circunstanciado de ocorrência, mas não preso, por ser um crime de menor potencial ofensivo. "Se ele chama o juiz de desonesto, covarde, vagabundo ou outro xingamento pior, e isso não tem nada a ver com o processo em julgamento, ele comete o crime de desacato".

Algemas Bandeira afirmou ainda que o uso das algemas, no caso de Valéria dos Santos, foi injustificado."O STF determinou no ano passado que a algema só pode ser utilizada se houver hipótese de risco de fuga ou risco para terceiros. E, convenhamos, a advogada não oferecia nenhum risco ou possibilidade de fuga, então foi um abuso mesmo", disse.

Arimatéa concorda que as algemas devem ser reservadas apenas para casos extremos, o que não incluiria desacato. "O uso de algema em um crime de menor potencial ofensivo seria uma situação muito excepcional".

Em um dos vídeos gravados sobre o caso, Valéria dos Santos diz que não vai sair da sala e que estava ali no aguardo de um delegado da OAB. Segundo Bandeira, essa função é exercida por advogados responsáveis por representar a Ordem e defender os profissionais da categoria.

"Quando há alguma palavra atravessada, algum conflito, o delegado é chamado para mediar a situação. A audiência ficava no segundo andar, e a sala da Ordem, no quarto piso. Era questão de segundos até o delegado chegar. Mas a juíza leiga não esperou e determinou a prisão", disse Bandeira.

Para Arimatéa, se o advogado pede para chamar o delegado da OAB, o juiz não é obrigado a esperar, mas, segundo ele, "é uma questão de bom senso". "Como juiz eu suspendo o ato e falo: 'liga para o delegado e manda vir'. Às vezes o fórum, quando é grande, tem um delegado de plantão e chega rápido", conta. Com informações da Folhapress.

Campo obrigatório