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Em livro, delegados da PF analisam 'crime institucionalizado'

'Crime.gov' traça um panorama da situação do crime do colarinho branco no país

Em livro, delegados da PF analisam 'crime institucionalizado'
Notícias ao Minuto Brasil

09:53 - 05/04/19 por Folhapress

Brasil Lava Jato

RUBENS VALENTE - BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Escrito pelos delegados da Polícia Federal Jorge Pontes e Márcio Anselmo, um dos principais da Operação Lava Jato, "Crime.gov: Quando Corrupção e Governo se Misturam" traça um panorama da situação do crime do colarinho branco no país e estabelece o que seria uma nova modalidade de delito, o "crime institucionalizado".

A PF nunca esteve tão presente no noticiário e tão influente sobre os rumos da política quanto agora, sendo de interesse público e objeto de curiosidade saber como funciona a cabeça de seus delegados. Nesse sentido, o livro é uma contribuição bem-vinda.

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Embora o coautor Anselmo seja um dos principais delegados da Lava Jato, o leitor que buscar detalhes reveladores ou bastidores sobre a maior investigação sobre corrupção do país poderá se frustrar.

O objetivo central do livro é estabelecer o suposto novo sistema criminal. O "crime institucionalizado" ganha o acrônimo Incrim, em referência a Orcrim (organização criminosa), expressão presente em muitos inquéritos da PF para designar um grupo criminoso.

Os delegados comparam o Incrim a uma baleia, uma "nova espécie da fauna criminal", que "até pouco tempo atrás se mantinha submersa e desconhecida", abaixo do radar das investigações. Os autores resumem o Incrim da seguinte forma: "É um sistema de fraudes abençoado pelo poder central do país e sustentado por uma rede de apoio que percorre os Três Poderes".

Ele "desvirtua e corrompe práticas ordinárias da sociedade e dos governos –desde a contratação de uma empreiteira para construir uma ponte até uma refinaria, ou ainda negócios permanentemente renováveis, como a limpeza urbana, por exemplo".

O Incrim "pode controlar todo o processo criminoso, desde a formulação de uma política pública enviesada (voltada a práticas espúrias), sua implementação, seja legislativa ou executiva, os mecanismos de controle e até mesmo o julgamento de sua legalidade e imunidade à Justiça criminal".

À luz de tudo o que foi descoberto pela Lava Jato, é difícil discordar dos autores sobre a existência de tal rede de crimes e proteção. As generalizações, contudo, podem ser recebidas como a negação da política e das práticas e garantias democráticas.

O livro afirma, por exemplo, que o braço do sistema criminoso no Judiciário se revela quando ele julga "de forma benevolente os envolvidos que são pegos pela polícia e pelo Ministério Público". Em outro ponto, afirma que "a atividade política se tornou o esteio do crime institucionalizado".

Esse tipo de enfoque generalizante, embora calcado em pedaços da realidade, é colocado em xeque quando se observa que a própria Lava Jato foi desencadeada com apoio decisivo do Judiciário ou quando se vê o papel do Legislativo na investigação sobre o escândalo do Mensalão, por meio de uma CPI, de 2005 a 2006.

Estender decisões e posições individuais de juízes e políticos para o resto do Judiciário e do Legislativo contribui para a condenação da democracia como sistema político. Perguntas desse tipo são cada vez mais necessárias em todos os aspectos da produção cultural, ainda mais num livro que trata do combate à corrupção: haveria Lava Jato numa ditadura?

Na parte das proposições, o livro apresenta trechos pouco claros, como "o ideal seria remover do Poder Executivo a atribuição de nomear um diretor-geral" da PF sem dizer como se daria essa nomeação.

Flerta com teorias complicadas de responsabilização penal, como quando diz que "precisamos rastrear, conhecer e responsabilizar as autoridades políticas que assinaram a nomeação do gestor encarregado de fraudar e desviar os recursos públicos". Se essa noção prosperasse, seria a instituição da teoria do domínio do fato para todos os aspectos da vida pública brasileira, criando, na prática, um Estado de desconfiança e delação.

O livro contém pequenas e poucas imprecisões, como chamar ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de "desembargadores" ou dizer que o delegado Leandro Daiello foi o mais longevo da história da PF –foi o coronel Moacyr Coelho (1974-1985); Daiello foi o mais longevo desde a redemocratização–, mas que não chegam a comprometê-lo.

Todo somado, o resultado é positivo para a transparência pública: que venham mais livros de investigadores federais, o país precisa conhecer suas ideias, erros e acertos.

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