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Em 'Construindo Pontes', diretora contesta atos da família na ditadura

Filme de Heloísa Passos reflete sobre a relação entre ela e o pai, o engenheiro civil Álvaro Passos

Em 'Construindo Pontes', diretora contesta atos da família na ditadura
Notícias ao Minuto Brasil

08:14 - 19/04/18 por Folhapress

Cultura Crítica

LÚCIA MONTEIRO - Documentários em que as funções de cineasta e personagem se distribuem dentro de uma família revelam-se, por um lado, boas ferramentas para tentar um acerto de contas com o passado no presente. Podemos lembrar, nesse sentido, o fotógrafo Robert Frank, que busca aproximar-se dos filhos em filmes como "Conversas em Vermont" (1969).

Mais recentemente e em nossas latitudes, a realizadora Maria Clara Escobar procura refazer os laços com o pai, um intelectual preso e torturado durante a ditadura militar e, depois, estabelecido em Portugal.

Por outro lado, filmes feitos com e sobre familiares não raro extrapolam o âmbito doméstico e, flertando com a estética do chamado "cinema amador", conferem a narrativas particulares envergadura coletiva. Pense por exemplo no "Diário" (1973-1983), de David Perlov, em que imagens do cotidiano -as filhas gêmeas, a mulher, as lembranças dos antepassados- dizem muito da história dos lugares onde viveu (Brasil, Israel, França...).

"Construindo Pontes", da paranaense Heloísa Passos, insere-se nessa linhagem. A realizadora tenta, por meio do documentário, passar a limpo suas diferenças com o pai, o engenheiro civil Álvaro Passos que, durante a ditadura militar, trabalhou na construção de rodovias, garantindo uma vida confortável à família em meio ao milagre econômico.

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Numa aguda (auto)crítica combinada com um debochado (auto)humor, a cineasta conta que enquanto o país pegava fogo, depois do AI-5, ela fazia aulas de equitação e ia esquiar com a família.

O noticiário atual contribui para tumultuar os encontros com o pai no presente. Lula deve ser preso? A televisão é parcial ao condenar apenas políticos do Partido dos Trabalhadores? O país era melhor com os militares no poder? Impossível haver acordo sobre tais questões, que tiram a realizadora do sério.

O pai mantém a calma, sem abrir mão da postura de autoridade, o que perturba ainda mais a filha. "Você não deveria se exaltar tanto", aconselha ele, que tenta inclusive orientar a estrutura do documentário.

O ressentimento chega a prejudicar a precisão na condução do filme. Fracassa a tentativa da realizadora de sintetizar o mal da ditadura através de imagens de Itaipu, hidrelétrica de imenso impacto social e ambiental, mas trunfo inegável da engenharia.

Felizmente, filha e pai encontram momentos de conciliação enquanto pegam a estrada para ver o legado do engenheiro. Diretora de fotografia experiente, a realizadora procura ainda refazer, através do filme, a ligação filial que rompera ao assumir-se apaixonada por uma mulher e sair de casa, de Curitiba a São Paulo. Trata-se, de fato, de um entrelaçamento precioso entre uma história particular e questões que ultrapassam em muito a esfera privada.

CONSTRUINDO PONTES

CLASSIFICAÇÃO Livre

PRODUÇÃO Brasil. 73 min

DIREÇÃO Heloísa Passos

AVALIAÇÃO bom

Campo obrigatório