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Carne já começa a faltar em unidades do Carrefour em SP com boicote de frigoríficos

O boicote começou na semana passada, após o Carrefour na França anunciar que deixará de comercializar carne originária do Mercosul, bloco econômico que inclui Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai e que negocia há décadas um acordo comercial com a União Europeia

Carne já começa a faltar em unidades do Carrefour em SP com boicote de frigoríficos
Notícias ao Minuto Brasil

07:45 - 26/11/24 por Folhapress

Economia CARREFOUR-NEGÓCIOS

(FOLHAPRESS) - Consumidores do Carrefour em São Paulo relatam os primeiros reflexos do boicote promovido por frigoríficos brasileiros contra a varejista. Entre 60 clientes entrevistados em três unidades da rede nesta segunda-feira (25), 34 afirmaram já sentir falta de produtos específicos nas prateleiras.

 

O boicote começou na semana passada, após o Carrefour na França anunciar que deixará de comercializar carne originária do Mercosul, bloco econômico que inclui Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai e que negocia há décadas um acordo comercial com a União Europeia.

Até o momento, 23 frigoríficos brasileiros aderiram à suspensão do fornecimento, incluindo gigantes como JBS, Marfrig e Masterboi. Segundo fontes do setor, o desabastecimento já afeta mais de 150 lojas do Carrefour no Brasil.

Em nota, o Carrefour Brasil lamentou a situação e reafirmou sua relação com o agronegócio nacional. "Infelizmente, a decisão pela suspensão do fornecimento de carne impacta nossos clientes, especialmente aqueles que confiam em nós para abastecer suas casas com produtos de qualidade e responsabilidade", afirmou a empresa.

A rede também diz que já está trabalhando para mitigar os impactos do boicote. "Entendemos a importância deste setor para a economia e para a sociedade como um todo, e continuamos comprometidos com o fortalecimento dessa relação."

Questionado sobre a diferença de estoque entre as lojas, o Carrefour afirmou que "o abastecimento pode variar entre unidades, mas garantiu que todas mantêm produtos suficientes para atender os clientes".

Na unidade da avenida Ribeiro Lacerda, zona sul da capital paulista, os consumidores já percebem a diminuição na oferta de carnes. Na prateleira destinada aos produtos da Friboi, restavam apenas 12 peças.

O mecânico Mauro Oliveira, 53, que costuma comprar produtos da marca, precisou escolher outra por não encontrar o corte desejado.
"Eu sabia desse boicote pelas notícias, mas não imaginei que já estaria sentindo isso na prática", comentou. Ao perguntar ao açougueiro sobre o produto, foi informado de que haveria mais peças em outra geladeira, mas não encontrou o item.

Apesar do transtorno, Mauro apoia a ação dos frigoríficos. "Eles estão certos. É uma maneira de defender o Brasil."

Entre os 20 clientes entrevistados na unidade, 11 afirmaram estar cientes do boicote e sete disseram apoiar a decisão das empresas.

Na unidade da rodovia Anchieta, também na zona sul, a aposentada Deyse Leite, 74, foi surpreendida pela ausência de produtos da Masterboi. "Tomei um susto. Procurei pela marca, mas só encontrei outras carnes", contou.

Diferentemente da loja da Ribeiro Lacerda, a unidade da Anchieta ainda apresentava poucas opções de marcas que aderiram ao boicote. Dos 20 clientes ouvidos no local, 11 notaram a falta de produtos, 15 sabiam da suspensão e dez deles apoiaram a decisão dos frigoríficos.

Na unidade da avenida Nações Unidas, zona sul, onde ainda havia opções de marcas envolvidas no boicote, a empresária Aparecida da Silva, 54, ponderou os efeitos da paralisação.

"Entendo o lado dos frigoríficos, mas não é justo que os clientes sejam prejudicados. Não quero chegar ao ponto de ter que andar mais para comprar em outra rede", disse.

Entre os 20 clientes ouvidos na unidade, sete notaram a ausência de produtos, 12 estavam informados sobre o boicote e 10 declararam apoio à decisão dos frigoríficos.

Apesar de ainda contar com estoques em algumas lojas, nenhuma das unidades visitadas pela reportagem oferecia carnes da Masterboi.

JBS SERIA RESPONSÁVEL POR 100% DO ABASTECIMENTO DO ATACADÃO

O Carrefour Brasil é líder no varejo alimentar no país. A filial brasileira é a segunda maior operação do grupo francês no mundo, só perdendo para a França. O grupo já vinha desde a pandemia investindo na compra de produtos locais e regionais para abastecer as lojas, fortalecendo itens de marca própria.

"No Brasil o maior faturamento do grupo Carrefour vem do Atacadão, responsável por cerca de 70% das vendas totais. Em um atacarejo, as vendas de carnes não são tão representativas quanto em um supermercado", diz o consultor Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail.

O maior fornecedor de carnes do grupo é a JBS, responsável sozinha por 80% do abastecimento das lojas do Carrefour, apurou a Folha junto a fontes próximas do frigorífico. Mas a JBS responde por 100% do abastecimento do Atacadão, a principal operação do grupo -o que torna o imbróglio do Carrefour com os frigoríficos brasileiros muito mais uma queda de braço entre o grupo francês e a JBS.

As declarações do CEO mundial do Carrefour, Alexandre Bompard, na última quarta-feira (20) teriam mexido com os ânimos da JBS, o maior produtor mundial de proteína animal, controlado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, dono de marcas como Swift, Friboi, Seara e Maturatta.

Segundo fontes próximas ao frigorífico, na sexta (22) houve ordem para que os caminhões da JBS que estivessem em rota para lojas ou centros de distribuição do Carrefour suspendessem as entregas.

O Carrefour tem intensificado a fiscalização sobre os frigoríficos brasileiros, o que levou inclusive à suspensão de 11 fornecedores este ano. No terceiro trimestre, a varejista ampliou o controle socioambiental para compras de carne bovina: antes restrito ao bioma amazônico, passou a controlar a origem da carne dos demais biomas brasileiros.

A empresa não compra de fornecedores envolvidos com "desmatamento/conversão de vegetação nativa, condições de trabalho análogas à escravidão ou infantil, embargos ambientais, invasões de terras indígenas, quilombolas ou áreas de conservação."

"Nossos fornecedores se comprometem a realizar a análise de geomonitoramento (checagem de conformidade por meio de imagens via satélite) de suas fazendas de fornecimento direto e, paralelamente, devem informar a origem da compra a partir do Cadastro Ambiental Rural (CAR) ao Grupo Carrefour Brasil, para que seja realizada uma dupla checagem de conformidade", disse o grupo, em relatório de resultados do terceiro trimestre deste ano.

"No trimestre, analisamos 22.615.555 hectares em 28.451 fazendas. Encerramos o trimestre com 18 frigoríficos fornecedores ativos e 11 bloqueados pelo não cumprimento do critério para compras do grupo."

CARNES REPRESENTAM ENTRE 6% E 12% DAS VENDAS DO GRUPO

De acordo com relatório do Goldman Sachs, as carnes representam entre 6% e 12% das vendas do Carrefour no Brasil. Nas estimativas do banco, o lucro líquido da rede varejista pode cair entre 0,54% e 1,09% no quarto trimestre, para cada dia de interrupção no fornecimento de carnes bovinas, enquanto as vendas podem recuar entre 0,07% e 0,13% por dia.

Caso a interrupção afete também o fornecimento de carnes de frango e porco, o banco estima que as perdas possam chegar a 1,8% do lucro e 0,2% das vendas por dia de desabastecimento.

"Destacamos que a potencial indisponibilidade de produtos cárneos poderia motivar a queda de tráfego como um todo, resultando em queda significativa nas vendas de outras categorias", diz o relatório do Goldman Sachs, assinado pelos analistas Irma Sgarz, Felipe Rached e Gabriela Leme.

Em meio a relatos de adesão ao boicote de empresas do setor de aves e suínos, a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal) tem marcada para esta terça-feira (25) uma reunião de seu conselho diretivo para abordar a situação envolvendo o Carrefour.

A ideia é que uma diretriz em relação ao tema seja encaminhada às empresas associadas. Procurada, a ABPA disse que não irá comentar.

Também a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) deve decidir nesta terça se adere ao boicote contra o Carrefour. A reportagem apurou que a rede varejista pediu um dia a mais para a associação, na tentativa de reverter a situação junto aos frigoríficos e regularizar o abastecimento.

FRANÇA RESPONDE POR 0,02% DAS EXPORTAÇÕES DE CARNE DO BRASIL

O imbróglio envolvendo o Carrefour e os frigoríficos brasileiros começou na última quarta-feira (20), quando o presidente mundial da varejista, Alexandre Bompard, publicou nas suas redes sociais que o grupo deixará de comprar carne do Mercosul. O motivo seria o modelo de pecuária na América do Sul.

No dia seguinte, o Carrefour afirmou que a medida se aplicaria apenas às lojas da França e que não se referia à qualidade do produto sul-americano -e sim a uma demanda do setor agrícola no país europeu. O veto, no entanto, gerou uma onda de críticas e de pedidos de retratação de entidades do agronegócio.

A França, porém, é irrelevante como consumidora de carnes bovinas brasileiras. O país respondeu por 0,02% das vendas externas brasileiras até outubro. Nos primeiros dez meses de 2024, o país europeu comprou 314 toneladas de carnes do país. A suspensão das compras francesas, portanto, não é capaz de afetar o setor frigorífico no Brasil.

No sábado (23), frigoríficos afirmaram que deixariam de fornecer carne ao supermercado. Representantes de 44 associações da cadeia produtiva brasileira assinaram uma carta aberta a Bompard sobre a qualidade das carnes produzidas no Mercosul.

Eles afirmam no documento que a decisão anunciada pelo CEO do Carrefour demonstra uma "abordagem protecionista que contradiz o papel de uma empresa global com operações em mercados diversos e interdependentes".

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