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Investigações de mortes pelo Estado ficam sem desfecho no Rio

Investigações de mortes pelo Estado ficam sem desfecho no Rio

Investigações de mortes pelo Estado ficam sem desfecho no Rio
Notícias ao Minuto Brasil

13:10 - 14/10/19 por Folhapress

Justiça Violência

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Em uma manhã de outubro de 1994, policiais civis e militares fizeram uma incursão na favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, zona norte do Rio. Lá mataram 13 homens, sendo quatro adolescentes, e torturaram e estupraram três mulheres, segundo depoimento das vítimas. Vinte e cinco anos depois, os policiais respondem pelos homicídios em liberdade.

Os agentes disseram que os homens morreram em confronto. As 13 mortes foram registradas no inquérito policial na categoria de "resistência com morte dos opositores", mas os exames cadavéricos mostram tiros de curta distância. 

Um jovem tinha dois ferimentos a bala -um em cada olho. Uma sindicância do governo concluiu que existiam fortes indícios de que pelo menos alguns dos homens haviam sido assassinados sem apresentar resistência.

O caso simboliza a frequente ausência de respostas e de eventual penalização de agentes das forças de segurança do Rio por crimes contra a vida.

Números do Gaesp (Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública) do Ministério Público do Rio mostram como essa responsabilização é difícil.

Desde a criação do grupo, em dezembro de 2015, estiveram em curso no Gaesp cerca de 1.550 investigações sobre mortes que teriam sido causadas por intervenção policial. Destas, apenas 37, ou 2,5%, resultaram em denúncia pelo crime de homicídio. 

Em 1995, um ano depois da chacina de Nova Brasília, policiais civis voltaram à comunidade e mataram mais 13 pessoas. As investigações de ambas as operações chegaram a ser arquivadas em 2009 por terem prescrito.

Diante da falta de respostas, a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu uma sentença contra o Estado brasileiro em 2017, ordenando que o governo investigasse com eficácia o caso. 

A Corte ressaltou que, quando a Polícia Civil fica responsável por investigar a si própria, a independência e a imparcialidade da apuração são violadas. Também criticou a falta de ação das autoridades, os longos períodos de inatividade nas investigações e as diligências que não foram levadas a cabo.

Em 2018, o Ministério Público do Rio anunciou que retomaria as investigações da operação de 1995. No mês passado, a Procuradoria Geral da República pediu a federalização das investigações para assegurar o cumprimento da sentença da Corte. 

Pela incursão de 1994, foram denunciados quatro policiais civis e dois militares -ainda que entre 40 e 80 homens tenham participado da operação. A 1ª Vara Criminal decidiu em novembro que os agentes serão julgados pelo Tribunal do Júri. 

Os policiais que participaram desta operação afirmaram que retiraram os corpos do local onde foram atingidos para tentar salvar suas vidas.

A prática se repete na história e complica as investigações. Quando a cena do crime é alterada, a eficácia da perícia é reduzida e a responsabilização dos envolvidos se torna mais difícil. Esse é um dos principais problemas enfrentados na apuração do caso Fallet.

Em fevereiro deste ano, a Polícia Militar matou 15 homens no morro do Fallet e do Fogueteiro, no centro do Rio. A maior parte foi assassinada dentro de uma casa. Os agentes retiraram os corpos do local e os levaram ao hospital. Segundo moradores, nenhum dos atingidos apresentava sinal de vida.

Familiares negaram que os homens tivessem reagido, como afirmou a polícia para justificar as mortes. O caso gerou grande impacto pelos indícios de tortura e mutilação. 

Em Brasília, o ministro da Justiça, Sergio Moro, tenta aprovar seu pacote anticrime e abraça uma proposta polêmica: policiais que agirem com excesso devido a "escusável medo, surpresa ou violenta emoção" podem ter a pena reduzida ou até serem absolvidos.

Na prática, no entanto, os agentes já não costumam responder judicialmente pelos crimes. Relatório da CPI dos Autos de Resistência, instalada na Alerj em 2015, cita estudo do sociólogo Michel Misse (UFRJ) que indica que 99% dos inquéritos que investigavam policiais por homicídio foram arquivados entre 2005 e 2007.

O defensor público Daniel Lozoya, do núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria do Rio, diz que os números citados nesta reportagem podem ser explicados pela visão leniente que o sistema de Justiça tem perante a violência policial. 

Ele também ressalta que, durante as investigações, geralmente são ouvidos o policial envolvido na ocorrência e seus colegas de farda e que oitivas de outras testemunhas e a realização de perícias ficam em segundo plano.

"A investigação acaba sendo direcionada para confirmar a versão dos policiais e estigmatizar a vítima. Procuram as redes sociais, criminalizam pelo local onde a pessoa vivia, se tinha passagem pela polícia... Tudo isso é usado para arquivar o caso", afirma.

Lozoya chama a atenção, ainda, para a comum retirada dos corpos do local do crime, o que acaba atrapalhando a perícia. "Tem casos em que os corpos são levados para o hospital com a cabeça estourada, evidentemente sem sinal de vida. Não costuma haver nenhum tipo de responsabilização. Se [os policiais] não são denunciados por homicídio, muitas vezes também não são pela fraude processual."

Há cerca de três semanas, a morte da menina Ágatha Félix, 8, causou revolta no país. A Polícia Civil abriu inquérito para investigar o caso. Já se sabe que não foi possível fazer o confronto balístico a partir do fragmento do projétil que atingiu a criança.

O Exército também figura entre os responsáveis pelas mortes por intervenção do Estado no Rio de Janeiro. Em abril deste ano, mais de 80 tiros disparados por militares atingiram o carro do músico Evaldo Rosa dos Santos, que morreu na hora. Luciano Macedo, catador de lixo que tentou ajudar a família do músico, também foi baleado e morreu.

Nove militares respondem em liberdade pelo duplo homicídio. O processo está na fase de instrução probatória, com a realização de oitivas de testemunhas indicadas pela defesa.

Segundo o Comando Militar do Leste, os envolvidos no caso foram afastados de operações e atividades com o emprego de armamento. 

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