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Perfil conciliatório de Biden pode atrasar resposta à pandemia de Covid

O perfil conciliatório do novo presidente dos EUA pode contribuir para o atraso da aprovação do principal pacote de alívio econômico diante da pandemia e aprofundar ainda mais as divisões do Partido Democrata

Perfil conciliatório de Biden pode atrasar resposta à pandemia de Covid
Notícias ao Minuto Brasil

12:00 - 24/01/21 por Folhapress

Mundo Pandemia

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - A ideia de unir todos os americanos é a principal aposta da retórica de Joe Biden, mas, na prática, tem potencial para se tornar um dos primeiros entraves de seu governo.


O perfil conciliatório do novo presidente dos EUA pode contribuir para o atraso da aprovação do principal pacote de alívio econômico diante da pandemia e aprofundar ainda mais as divisões do Partido Democrata.


Biden assumiu um país devastado pelo coronavírus e tem trabalhado para mostrar que sua prioridade é o combate à Covid-19, que já matou mais de 400 mil pessoas nos Estados Unidos.


Nos primeiros dias no Salão Oval, o democrata assinou várias ordens executivas que centralizam na Casa Branca a luta contra a pandemia, mas boa parte delas depende de recursos que ainda precisam ser aprovados pelo polarizado Congresso americano.


Antes mesmo de Biden tomar posse, na quarta-feira (20), líderes democratas articulavam maneiras de chancelar rapidamente o pacote de alívio econômico no valor de US$ 1,9 trilhão (cerca de R$ 10 trilhões), considerado ideal pelo novo presidente, porém sob forte resistência de republicanos.


Para driblar os adversários, parte dos democratas queria usar um mecanismo conhecido como "conciliação", que permite acelerar a votação de projetos orçamentários dentro do Senado.


O arranjo exige apenas maioria simples para aprovar medidas que envolvem orçamento e impede o uso da obstrução por opositores –como o Senado está hoje dividido entre 50 votos para republicanos e 50 para democratas, com desempate feito pela vice-presidente, Kamala Harris, a vitória do governo estaria praticamente garantida. Biden, porém, travou as movimentações, frustrando seus colegas de partido.


Político profissional há 48 anos e conhecido por seu hábil poder de negociação, ele tem dito a aliados que não quer forçar a mão de saída e prefere tentar conquistar o voto de republicanos, num aceno ao bipartidarismo e à união que foram o mote de sua campanha e discurso de posse.


Segundo o site Politico, assessores de Biden já entraram em contato com senadores republicanos moderados, como Lisa Murkowski (Alasca), para marcar conversas sobre o tema.


A postura do presidente, no entanto, irritou parlamentares democratas que queriam agir rápido e evitar os tropeços que marcaram o início do mandato de Barack Obama, de quem Biden era vice.


A avaliação é a de que, em meio a múltiplas crises, não há mais tempo para negociações que podem custar cifras importantes do projeto. Se aprovado, o pacote vai liberar dinheiro para ajudar no combate ao vírus e para cumprir a promessa de Biden de vacinar 100 milhões de pessoas em 100 dias.


O primeiro presidente negro da história dos EUA também esticou a corda para tentar conseguir o voto de republicanos em apoio a seu pacote econômico, diante da crise financeira de 2008, mas acabou aprovando medidas menores e mais sutis do que esperava. É consenso entre analistas que Biden não vai fazer muita coisa para além da pandemia e da crise econômica até meados de 2022.


Os democratas têm maioria na Câmara e no Senado –neste, contando com o voto de minerva de Kamala–, mas podem perder essa vantagem nas eleições legislativas no fim do ano que vem.


Na revista The Atlantic, o jornalista Derek Thompson escreve que Biden deveria "ir grande, rápido e simples", sem "repetir os erros de Obama", se quiser deixar suas marcas legislativas em um dos piores momentos da história dos Estados Unidos.


Na visão de Thompson, Obama achou que teria o voto de parlamentares republicanos ao criar um caldo social favorável às suas principais medidas entre os americanos –o que não aconteceu por completo.


Desta vez, o contexto é diferente. A crise que assola os EUA envolve a pior pandemia dos últimos 100 anos, os mortos por Covid-19 devem chegar à sombria marca de meio milhão no mês que vem, e o programa de vacinação, que começou em dezembro, está bem atrasado –dos 37 milhões de doses distribuídos, somente 17 milhões foram administrados no país.


Mas isso não parece contar a favor de Biden em termos de costura política. O cenário já faz analistas questionarem até que ponto o presidente vai insistir antes de aceitar que os republicanos não devem ceder e como o democrata vai agir na sequência, em outras votações importantes.


Senadores republicanos moderados –e que costumavam fazer críticas públicas ao agora ex-presidente Donald Trump–, Mitt Romney (Utah) e Susan Collins (Maine) já sinalizaram que não vão votar a favor de um pacote no valor de US$ 1,9 trilhão.


O montante inclui US$ 415 bilhões (R$ 2,25 trilhões) para reforçar a resposta à pandemia e a vacinação, cerca de US$ 1 trilhão (R$ 5,42 trilhões) para ajuda direta às famílias, e outros US$ 440 bilhões (R$ 2,38 trilhões) em incentivos a pequenas empresas e comunidades particularmente atingidas pelo coronavírus.


O auxílio emergencial proposto por Biden às famílias americanas é de US$ 1.400 (R$ 7.600), além dos cheques de US$ 600 (R$ 3.250) já aprovados no Congresso.


Às dificuldades de articulação soma-se o debate do impeachment de Trump, que foi aprovado pela Câmara em 13 de janeiro e deve ser enviado ao Senado nesta segunda (25).


O julgamento que pode, inclusive, tirar os direitos políticos do ex-presidente e impedi-lo de concorrer novamente à Casa Branca em 2024 deve desviar a atenção dos parlamentares de qualquer outro tipo de votação.


Ciente dos obstáculos, Biden assinou na sexta-feira (22) duas ordens executivas para turbinar o auxílio emergencial enquanto não consegue avançar com o pacote econômico no Congresso –os decretos visam aumentar os programas de ajuda aos desempregados e àqueles que recorrem a bancos alimentares, atuando diretamente no combate à fome, além de fortalecer os direitos sociais de trabalhadores.


Um dia antes, Biden já havia assinado outras dez ordens executivas, que estabeleciam quarentena obrigatória para viajantes que chegam aos Estados Unidos e exigência do uso de máscaras em prédios públicos, aeroportos, aviões, trens e ônibus.


Outras delas, como a aplicação de testes de detecção da Covid-19 para que escolas reabram até maio e o reembolso dos estados que enviaram suas Guardas Nacionais para reforçar o combate à pandemia, também dependem da aprovação do pacote econômico.


As ordens executivas não precisam do aval da Câmara e do Senado, mas podem ser contestadas na Justiça.


Depois de uma temporada de armistício durante a campanha eleitoral no ano passado, integrantes da ala mais à esquerda do Partido Democrata começam a se incomodar com a enxurrada de decretos e já admitem reservadamente que muitos deles não devem de fato se concretizar.


Outros ainda se ressentem do que Biden deixou de fora de seu programa de governo e pensam em maneiras de pressionar o novo presidente por avanços mais estruturais.


Apesar das medidas simbólicas sobre clima e meio ambiente, como o retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, Biden não abraçará, por exemplo, o saúde grátis para todos, bandeira do senador Bernie Sanders, ou o "Green New Deal" –plano em que a deputada Alexandra Ocasio-Cortez propunha mudanças na economia americana para que 100% da demanda por energia fosse atendida por meio de fontes limpas e renováveis.


Biden é um político centrista, mas formou um amplo arco para vencer Trump, que envolveu todas as matizes de seu partido. De dentro da Casa Branca, o presidente terá que administrar as demandas de uma esquerda democrata muito mais fortalecida do que na era Obama, enquanto calcula o custo político de negociar também com o outro lado do corredor do Congresso.

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