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Militares reprimem protestos contra golpe em Mianmar e deixam 4 feridos

Também nesta terça, a polícia de Mianmar fez uma batida na sede do partido Liga Nacional para a Democracia (LND), que comandava o país antes do golpe, segundo dois integrantes do partido

Militares reprimem protestos contra golpe em Mianmar e deixam 4 feridos
Notícias ao Minuto Brasil

05:19 - 09/02/21 por Folhapress

Mundo MIANMAR-PROTESTOS

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um dia depois de fazer ameaças contra os manifestantes, a polícia de Mianmar usou nesta terça (9) canhões de água, gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar os atos de oposição ao golpe de Estado. Testemunhas também relataram o uso de munição letal, mas a informação ainda não foi confirmada.

Ao menos quatro pessoas ficaram feridas. Uma delas, de acordo com um médico ouvido por jornalistas sob condição de anonimato, é uma mulher que teria levado um tiro na cabeça e está em estado grave.

Vídeos publicados nas redes sociais, que não tiveram a autenticidade comprovada, mostram um grupo de pessoas abrigadas sob o que parece ser um ponto de ônibus. A alguns metros, agentes da tropa de choque estão em formação. É possível ver jatos dos canhões de água usados contra os manifestantes e, em dado momento, ouvem-se disparos.

Uma mulher que, segundo as publicações, tem cerca de 20 anos, parece ser atingida e cai repentinamente. Nas imagens, ela aparece usando um capacete de motociclista. Em outras postagens, há fotos do capacete perfurado por um projétil.

Segundo um médico de um hospital em Naypyitaw, capital de Mianmar, a mulher está viva, mas sua lesão é muito grave e não há possibilidade de recuperação. Os exames de imagem mostraram uma bala alojada na cabeça da paciente, afirmou ele.

Ainda de acordo com relatos de médicos da capital, os outros feridos não correm risco de morrer e ainda não se sabe se os ferimentos foram causados por balas de borracha ou munições reais.

Também nesta terça, a polícia de Mianmar fez uma batida na sede do partido Liga Nacional para a Democracia (LND), que comandava o país antes do golpe, segundo dois integrantes do partido.

A operação foi realizada por cerca de uma dúzia de policiais, que invadiram o prédio em Rangoon, afirmaram os correligionários, de acordo com a agência de notícias Reuters.

Mianmar tem um histórico violento de repressão a protestos. Na revolta de 1988, mais de 3.000 manifestantes foram mortos pelas forças de segurança do país durante atos contra o regime militar.

A Organização das Nações Unidas condenou, nesta terça, o uso da força contra os opositores. "O uso de força desproporcional contra os manifestantes é inaceitável. Muitos manifestantes ficaram feridos, alguns deles gravemente", disse Ola Almgren, coordenador da ONU em Mianmar.

O governo americano, por meio do porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, também se pronunciou, afirmando que todos têm direito à liberdade de expressão e reunião pacífica.

"Repetimos nossos apelos para que os militares renunciem ao poder, restaurem o governo eleito democraticamente, libertem os detidos e retirem todas as restrições de telecomunicações e evitem a violência", disse Price, em um comunicado.

O porta-voz reforçou ainda que os EUA realizam revisão da assistência a Mianmar para garantir que os responsáveis ​​pelo golpe enfrentem "consequências significativas". Ele acrescentou que haverá mais informações sobre a resposta do governo Biden nos próximos dias.

A junta que agora comanda o país depois de prender toda a cúpula do governo civil -incluindo a conselheira de Estado Aung San Suu Kyi e o presidente Win Myint- proibiu ajuntamentos de mais de cinco pessoas em várias regiões e estabeleceu um toque de recolher das 20h às 4h em Rangoon e Mandalay, as duas maiores cidades do país.

Desde o golpe militar em 1º de fevereiro, os mianmarenses vinham se organizando em campanhas de desobediência civil, marcadas por atos menores e por greves de profissionais de saúde, professores e funcionários do governo pré-golpe.

Durante o último final de semana, porém, o movimento de resistência ganhou força e levou dezenas de milhares de pessoas às ruas das principais cidades do país para exigir a volta da democracia e a libertação dos presos políticos.

"O principal é que não queremos um golpe", disse uma manifestante de 24 anos em Rangoon à Reuters. "Se nós, jovens, não sairmos [às ruas], quem o fará?"

"Suas ameaças não nos preocupam, é por isso que saímos hoje", disse Thein Winun, um dos professores que marcharam em Rangoon, referindo-se ao anúncio feito pelos militares segundo o qual seriam tomadas ações "contra as infrações que perturbam, impedem e destroem a estabilidade do Estado".

"Não podemos aceitar a justificativa de fraude eleitoral. Não queremos uma ditadura militar", acrescentou Winun.

Uma das principais demandas dos manifestantes é a liberdade de Suu Kyi, que, na prática, governava o país. Ela foi detida sob uma acusação obscura de violação de normas comerciais -ela teria importado ilegalmente seis walkie-talkies-, e ao menos outros 150 líderes políticos foram presos, de acordo com a Associação de Assistência aos Presos Políticos.

Os ativistas também buscam a abolição da Constituição de 2008, elaborada sob supervisão militar, que concedeu aos generais o direito ao veto no Parlamento e o controle de vários ministérios.

Outro fator que parece ter incentivado a população a aderir aos protestos foi o ceticismo com que foi recebida a promessa do general Min Aung Hlaing, chefe das Forças Armadas que agora governa o país.

Nesta segunda-feira (8), ele disse que a junta militar formaria uma "democracia verdadeira e disciplinada", diferente das eras anteriores que trouxeram anos de isolamento e pobreza -Mianmar viveu sob uma ditadura militar de 1962 a 2011.

"Teremos uma eleição multipartidária e entregaremos o poder a quem vencer", disse Hlaing, repetindo a promessa feita no dia do golpe, segundo a qual haverá uma transição pacífica de poder assim que forem realizadas "eleições justas e livres".

Ao assumirem o poder, os militares declararam um estado de emergência que deve durar um ano. O próprio Hlaing, entretanto, afirmou na semana passada que pode continuar no poder após esse período para coordenar a realização de um novo pleito.

As últimas eleições parlamentares em Mianmar foram realizadas em novembro do ano passado. A grande vencedora foi a Liga Nacional pela Democracia (LND), partido de Suu Kyi.

A legenda, que comanda o país desde 2015, obteve 83% dos votos e conquistou 396 dos 476 assentos no Parlamento no pleito de novembro, mas foi impedida de assumir quando o golpe foi aplicado no dia da posse da nova legislatura. O Partido da União Solidária e Desenvolvimento, apoiado pelos militares, obteve apenas 33 cadeiras. ​

O golpe recebeu duras críticas da comunidade internacional. Líderes políticos de diversas nacionalidades pediram o restabelecimento do governo democraticamente eleito e a libertação de todos os presos civis.

Nesta terça, o governo das Filipinas quebrou o silêncio dos países do Sudeste Asiático, que vinham tratando a situação em Mianmar como "um assunto interno", e pediu a "restauração completa do status quo".

A Nova Zelândia, também nesta terça, anunciou a suspensão de todos os contatos políticos e militares com Mianmar. O governo de Jacinda Ardern afirmou ainda que garantirá que qualquer ajuda enviada ao país não beneficie os militares e que imporá restrições à entrada de seus líderes em território neozelandês.

Diversos chefes de Estado da União Europeia também se posicionaram contra a tomada de poder pelos militares, assim como o governo dos Estados Unidos, que considera a tomada de poder em Mianmar um golpe de Estado. Na prática, isso implica restrições à assistência que os americanos oferecem ao país. Os EUA também estudam sanções contra indivíduos e entidades controladas pelos militares.

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil, por sua vez, não mencionou golpe militar ou presos políticos em uma nota divulgada sobre o assunto e limitou-se a dizer que tem a expectativa de "um rápido retorno do país à normalidade democrática e de preservação do Estado de Direito".
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CRONOLOGIA DA HISTÓRIA POLÍTICA DE MIANMAR

1948: Ex-colônia britânica, Mianmar se torna um país independente
1962: General Ne Win abole a Constituição de 1947 e instaura um regime militar
1974: Começa a vigorar a primeira Constituição pós-independência
1988: Repressão violenta a protestos contra o regime militar gera críticas internacionais
1990: Liga Nacional pela Democracia (LND), de oposição ao regime, vence primeira eleição multipartidária em 30 anos e é impedida de assumir o poder
1991: Aung San Suu Kyi, da LND, ganha o Nobel da Paz
1997: EUA e UE impõe sanções contra Mianmar por violações de direitos humanos e desrespeito aos resultados das eleições
2008: Assembleia aprova nova Constituição
2011: Thein Sein, general reformado, é eleito presidente e o regime militar é dissolvido
2015: LND conquista maioria nas duas Casas do Parlamento
2016: Htin Kyaw é eleito o primeiro presidente civil desde o golpe de 1962 e Suu Kyi assume como Conselheira de Estado, cargo equivalente ao de primeiro-ministro
2018: Kyaw renuncia e Win Myint assume a Presidência
2020: Em eleições parlamentares, LND recebe 83% dos votos e derrota partido pró-militar
2021: Militares alegam fraude no pleito, prendem lideranças da LND, e assumem o poder com novo golpe de Estado ​

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