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Governo dos EUA diz que vai apoiar suspensão de patentes de vacinas contra Covid

O objetivo da suspensão seria permitir a aceleração da produção de imunizantes em países em desenvolvimento

Governo dos EUA diz que vai apoiar suspensão de patentes de vacinas contra Covid
Notícias ao Minuto Brasil

07:34 - 06/05/21 por Folhapress

Mundo Vacinação mundial

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O governo americano, do presidente democrata Joe Biden, disse nesta quarta-feira (5) que apoia a suspensão de patentes de vacinas contra a Covid-19, mudando a política que vinha defendendo na Organização Mundial do Comércio (OMC).

O objetivo da suspensão, caso aprovada na OMC, seria permitir a aceleração da produção de imunizantes em países em desenvolvimento. A decisão foi recebida com espanto pela indústria farmacêutica no Brasil e comemorada por ONGs, que apostam que isso irá pressionar o governo federal a mudar seu posicionamento na Organização Mundial do Comércio e também a Câmara a aprovar o projeto de lei de suspensão de patentes que passou no Senado na semana passada.

Katherine Tai, representante de comércio dos EUA (USTR) do governo Biden, falou sobre a decisão nessa quarta-feira. "Essa é uma crise de saúde global, e as extraordinárias circunstâncias da pandemia de Covid-19 pedem medidas extraordinárias", disse ela. "Nós vamos participar ativamente das negociações na OMC necessárias para que isso aconteça. Essas negociações vão levar tempo, considerando que a organização funciona por consenso e as questões são complexas."

No fim do ano passado, Índia e África do Sul, com apoio de mais de 110 nações em desenvolvimento, fizeram uma proposta na OMC para suspender todas as patentes relacionadas a medicamentos e vacinas de Covid enquanto durar a pandemia. Dessa maneira, argumentaram, seria possível aumentar a produção em países pobres. Por enquanto, cerca de 90% das vacinas foram aplicadas em habitantes de países ricos ou de renda média.

Países como EUA, Reino Unido e União Europeia, onde foram desenvolvidas as vacinas, bloquearam a iniciativa da Índia. O Brasil se alinhou aos países ricos e ficou contra a proposta. Posteriormente, o Itamaraty divulgou um comunicado, ao lado do Ministério da Saúde, em que defendia uma terceira via na OMC. O plano seria mapear, em diversos países, a capacidade ociosa que poderia ser convertida para produção de vacinas, e convencer as farmacêuticas a transferirem tecnologia, de forma voluntária.

No entanto, iniciativa semelhante, por meio de um pool de tecnologia criado pela Organização Mundial de Saúde em outubro do ano passado, naufragou -até hoje não houve, por parte das farmacêuticas, compartilhamento de tecnologias úteis para o enfrentamento da pandemia.

Segundo a reportagem apurou, o chanceler Carlos França vai conversar na sexta-feira (7) com a representante americana Tai para entender melhor a proposta americana.

Nesta quarta, países-membros da OMC tiveram nova rodada de discussões sobre suspensões a direitos de propriedade intelectual. Índia e África do Sul, que propuseram o modelo de suspensão, estão discutindo uma nova versão da proposta. Espera-se que os dois países proponham uma suspensão de patentes mais restrita, para vacinas e certos medicamentos, e por tempo determinado, para conseguir maior apoio ao plano. O governo brasileiro se posicionava contra a suspensão de patentes, mas irá avaliar a proposta americana e o novo plano indiano, que, espera, pode se aproximar da terceira via.

O apoio dos EUA à suspensão de patentes é uma mudança histórica de posicionamento, já que o país sempre foi o mais ferrenho defensor de proteção intelectual, inclusive impondo sanções a vários países por desrespeito a patentes. O apoio americano não significa que o novo plano indiano e sul-africano será aprovado na OMC, que funciona por consenso. Mas aumenta a pressão sobre as farmacêuticas para que ampliem programas de transferência de tecnologia -muitas entidades advogam que haja não apenas a suspensão das patentes mas também programas de capacitação tecnológica oferecedos pelos detentores de patentes a laboratórios em países em desenvolvimento.

REPERCUSSÃO

"A mudança da posição americana deixa o Brasil cada vez mais isolado na OMC. O entendimento míope de que não é necessário suspender monopólios para aumentar o acesso à vacinas deve ser superado imediatamente e o Brasil deve apoiar a proposta de Índia e África do Sul, para que a suspensão global das patentes seja aprovada o mais rápido possível na OMC", diz Pedro Villardi, coordenador do grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual.
O senador Nelsinho Trad (PSD-MS), relator do projeto de lei que foi aprovado no Senado e permite que o governo imponha licenciamento compulsório de remédios e vacinas (fabricação sem autorização prévia do detentor da patente) em caso de emergência nacional ou interesse público, comemorou.

"Isso com certeza coloca pressão [sobre a Câmara e o governo federal]. Estamos assistindo a países tomarem posições, não são poucas exceções", disse. O texto está agora na Câmara, onde há resistência por parte do presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), e dos deputados governistas.

"A gente sempre defendeu essa proposta, por entender que estamos em um tempo e uma circunstância inusitada e que para tanto medidas inusitadas precisam ser tomadas, para a gente fazer esse enfrentamento. O Senado da República, de uma forma altiva, saiu na frente", diz Trad.

Villardi também acha que a mudança no posicionamento americano ajuda na tramitação do projeto de lei na Câmara. "Esse posicionamento do governo americano deixa escancarada a urgência de enfrentar patentes para universalizar o acesso a vacina. Isso retira o véu do terrorismo ideológico de que o Brasil seria retaliado ao colocar vidas em primeiro lugar. O processo de suspensão internacional das patentes não exime a Câmara dos Deputados de dar andamento ao tema nacionalmente, de forma célere e efetiva", diz.

"O presidente dos EUA, Joe Biden, tem demonstrado uma visão humanitária no seu governo", disse o senador Paulo Paim (PT-RS), autor do projeto de lei de licenciamento compulsório de vacinas que foi aprovado no Senado. Ele pediu para que os deputados votem a favor da proposta. "[O Senado] teve coragem, teve firmeza, foi para o debate e votou a matéria. Agora, a Câmara deverá acompanhar, já que existe essa orientação", disse ele durante sessão na tarde desta quarta-feira (5).

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), cumprimentou Paim pelo mérito do projeto. Ele, no entanto, não comentou o posicionamento dos Estados Unidos.

Vice-presidente da Câmara, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) se manifestou contra a​ quebra de patentes. "Não tenho nenhuma demonstração de que o Brasil tem condições de produzir IFA [ingrediente farmacêutico ativo] no curto prazo."

O Palácio do Planalto trabalha para evitar a aprovação do projeto na Câmara. Assessores consideram que a sanção do texto criaria problemas na área econômica e negociações por vacinas poderiam ser paralisadas por quebra de direito de propriedade intelectual. Acordos de transferência tecnológica também estariam em risco e doses encomendadas poderiam não ser entregues. Isso afetaria o PNI (Programa Nacional de Imunizações).

Por esses motivos, a aprovação do projeto forçaria o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a vetar integralmente o texto, o que causaria mais estragos à imagem dele. Procurados, o Palácio do Planalto e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não se manifestaram. O Ministério da Saúde disse que não ia comentar.

INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

O apoio americano tampouco significa que empresas como Pfizer e Moderna serão obrigadas, de alguma maneira, a transferir sua tecnologia para fábricas de vacinas em outros países. Mesmo que a proposta de suspensão de patente seja aprovada na OMC, algo pouco provável por causa da necessidade de consenso, também não haveria como forçar a transferência de tecnologia. Se a OMC aprovasse a flexibilização do acordo Trips, o que muda é que não haveria punição para países que conseguissem fazer engenharia reversa e fabricassem os medicamentos sem autorização dos detentores das patentes. Isso, hoje em dia, só é autorizado para países que fazem parte do grupo do países menos desenvolvidos, os LDC.

"A declaração do governo dos EUA é um passo fundamental na direção do consenso de que proteger vidas é mais importante do que proteger direitos de propriedade intelectual. É também uma oportunidade para que países como o Brasil retomem sua posição histórica de colocar a saúde pública acima dos interesses comerciais", diz Felipe Carvalho, coordenador no Brasil da Campanha de Acesso dos Médicos Sem Fronteiras. "As soluções voluntárias que o Brasil tem defendido não estão à altura do desafio de oferecer vacinação universal contra a Covid-19 e precisam ser complementadas por estratégias como a suspensão dos direitos de propridade intelectual na OMC."

No Brasil, a indústria farmacêutica condenou a inesperada mudança na posição americana. "É uma mudança radical do governo americano", disse Nelson Mussolini, presidente da Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos do estado de São Paulo) . Para ele, o Brasil sairá ganhando se não aderir à posição americana. "Os países que forem contra esse tipo de posição, que coloca em risco a propriedade industrial, se mostrarão mais seguros para os investimentos em inovação; uma ótima oportunidade para o Brasil."

Ele não acredita que uma suspensão de patentes iria aumentar a oferta de vacinas no mundo. "Não acredito que haverá um aumento substancial na oferta de vacinas. O processo não é simples e provavelmente faltará capacidade produtiva."

Elizabeth Carvalhaes, presidente da Interfarma, que representa 51 laboratórios, entre eles a Pfizer, Gilead e AstraZeneca, classificou a decisão americana como histórica e sem precedentes. E afirmou, em comunicado, que a patente não é o maior impedimento para o aumento na produção. "A suspensão de patentes talvez não seja suficiente para aumentar a capacidade produtiva dos países. Direitos de propriedade intelectual não afetam a falta de matérias-primas para produzir as vacinas", disse. Em relação à mudança no posicionamento americano, Carvalhaes afirmou que "caberá agora aos países soberanos, no contexto da Organização Mundial do Comércio, seguir com as discussões em curso" e ressaltou que é preciso ter consenso.

Nos EUA, Biden vinha sendo pressionado a ajudar mais os países em desenvolvimento, principalmente depois da piora da Covid-19 na Índia. Como EUA e outros países desnvolvidos contrataram estoques de vacinas muito maiores do que necessários para vacinas toda sua população, havia pressão crescente da opinião pública. Enquanto a China e a Rússia vêm usando diplomacia da vacina para ganhar influência, os EUA estão no caminho inverso. Para completar, na terça-feira (4), a Pfizer divulgou seus resultados financeiros, anunciando faturamento bilionário com a venda de vacinas -US$ 3,5 bilhões no primeiro trimestre, e projeção de US$ 15 bilhões a US$ 26 bilhões no ano.

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