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Crimeia vive limbo geopolítico cinco anos depois de anexação

Locais elogiam avanços na infraestrutura, mas temem isolamento internacional

Crimeia vive limbo geopolítico cinco anos depois de anexação
Notícias ao Minuto Brasil

11:40 - 16/03/19 por Folhapress

Mundo Rússia

IGOR GIELOW - CRIMEIA, RÚSSIA (FOLHAPRESS) - A anexação da Crimeia pela Rússia chega a seu quinto aniversário como fato consumado, ainda que contestado pela prejudicada Ucrânia e por resolução da Organização das Nações Unidas.

É vista por quem interessa, a população local, com um misto de esperança e apatia ante o limbo geopolítico em que vive.

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A sensação de isolamento internacional começa com a rota dos voos vindos de Moscou: eles têm de fazer uma curva bizarra para evitar o espaço aéreo ucraniano -não deixa de ser boa notícia, dado que um Boeing 777 da Malaysia Airlines foi abatido na área conflagrada do leste do país em 2014.

Empresas temem as sanções ocidentais ao território. Na península, sem um chip russo, não há telefonia celular. Cartões de crédito internacionais não servem nem para serem roubados, situação improvável em um lugar bastante policiado e que sedia uma importante base naval.

É possível usar cartões de bancos russos, uma conquista recente, e velhos caixas eletrônicos se deterioram, dando lugar à versão multiuso vinda de Moscou: recarga de celular, bilhetes de transporte e saque de contas bancárias nativas -desde que não sejam de grandes instituições, como o Sberbank, temeroso de punições.

"Perdemos um pouco de contato com estrangeiros, mas somos russos de novo. Já é algo. Devemos isso a Vova", diz o corretor de imóveis Iuri Stepanov, 39, que trabalha no mítico balneário de Ialta, sede da conferência homônima que dividiu as esferas de influência dos vencedores da Segunda Guerra Mundial.

Vova é um diminutivo para Vladimir, no caso Putin, presidente da Rússia que promoveu a anexação em 2014 quando viu o governo aliado na Ucrânia ser derrubado por um golpe -ou revolução, a depender da escolha de narrativa.

Na península, que no cotidiano não difere superficialmente de outras regiões russas, ninguém fala em anexação. É unificação ou, seguindo a propaganda oficial para os eventos deste fim de semana, Primavera Crimeia, algo bastante artificial em um país alérgico a movimentos ditos revolucionários, mas que busca associar-se à época do ano.

Há cinco anos, um referendo apoiado por tropas russas infiltradas na península deu 95,6% e 96,77% dos votos à reunificação na cidade autônoma de Sebastopol e no resto da Crimeia, respectivamente. Dois dias depois, um triunfante Putin aceitou o resultado.

Foi a forma que ele usou para evitar a união do vizinho às estruturas militares e econômicas do Ocidente, como a Otan, trazendo tropas adversárias às suas fronteiras e perdendo influência.

A Ucrânia, dona da Crimeia por um capricho do líder soviético Nikita Krushchov, que em 1954 fez um gesto à terra onde cresceu, perdeu numa canetada 2,3 milhões de habitantes e 4% de seu PIB.

Ainda viu estourar uma revolta separatista no seu leste, que não resultou em anexação mas já matou mais de 10 mil pessoas. O PIB do país caiu 17% até 2016, e o novo governo de Petro Porochenko se equilibra em empréstimos do FMI para tentar uma difícil reeleição daqui a duas semanas.

Nos meses que se seguiram à anexação, empresários ucranianos começaram a voltar para o agora país de origem, abrindo espaço para pessoas como Olga Grinschewitz, 33.

Ela nasceu quando a União Soviética já respirava por aparelhos. Com o fim do império comunista, em 1991, sua família mudou-se para Moscou, onde Olga cresceu e se formou em relações internacionais.

"Quando a unificação aconteceu, mal pude acreditar. Era a oportunidade de voltar a trabalhar na minha cidade", disse. A demanda, dado o vazio empresarial, era alta, e Putin deu uma mãozinha: novos empresários teriam um programa de incentivo fiscal que derrubava pela metade os 40% de carga tributária usual.

Ela acabou como diretora financeira de uma empreiteira em ascensão em Ialta, e só se queixou da mudança dos prefixos de telefones em 2015.

Hoje, a firma tem 35 funcionários e, na temporada de tempo frio em que obras públicas podem ser feitas, de outubro a maio, chega a empregar 250 trabalhadores. Parte deles está finalizando a reconstrução do calçadão Lênin, cartão-postal de Ialta, por US$ 5 milhões (cerca de R$ 19 milhões).

Olga diz que alguns locais a veem como uma análoga ao "carpetbagger", termo pejorativo usado para designar empreendedores que vinham do Norte dos EUA para o Sul destruído pela guerra civil de 1861-5.

Ela dá de ombros. "Sou daqui."

Ela reconhece que, sem ajuda oficial, pouco seria feito. Com as sanções ocidentais decorrentes da anexação, "só russos e o governo querem investir aqui".

Com efeito, Putin colocou ao menos US$ 5,3 bilhões (R$ 20 bilhões) em obras de infraestrutura, cuja estrela maior é a ponte da Crimeia -que consumiu 70% desse valor.

Na segunda (18), feriado da reintegração, o presidente deve inaugurar pessoalmente duas usinas termelétricas a gás que garantirão a independência energética local.

A ucraniana étnica Nadia, que prefere não dizer o sobrenome, optou por ficar com o passaporte russo dado em 2013 pelas autoridades crimeias para manter os benefícios aos dois filhos: escola e saúde gratuitas em Sebastopol.

Mas o marido, Oleh, permaneceu com o documento ucraniano e o emprego em Kiev. O casal mal se vê, já que a travessia tem sido cada vez mais complexa: não há opção aérea senão indo para Moscou e Minsk (Belarus), e a viagem de carro que durava 12 horas pode agora durar o dia todo ou mais devido aos novos bloqueios na estreita fronteira que liga a Crimeia à sua antiga dona.

Mas Nadia não pretende deixar sua casa, ao contrário dos 40 mil conterrâneos que deixaram a Crimeia segundo o governo em Kiev desde a anexação. Desses, 20 mil são da minoria muçulmana tártara, que reclama perseguição política de seus líderes por ter apoiado a manutenção do laço com a Ucrânia. Alguns gostariam de ter documentos ucranianos para ir embora.

Para Max Alexandrovitch, que trabalha como motorista na empresa de Olga, a questão é inversa. Nascido em Kramatorsk, na região ucraniana pró-Moscou de Donetsk, ele tem papéis de seu país de origem.

Quando a situação ficou feia em 2015, com a guerra civil, ele e seu irmão mais novo foram para Ialta.

Desde então, buscam cidadania russa -antes fácil de obter, agora sujeita a checagens várias por medo de espionagem. "No mês passado consegui permissão de residência, estou quase lá. Não tem nada para mim em casa."

O jovem de 22 anos é um entusiasta daquilo que chama de "Nova Rússia", o termo que a czarina Catarina, a Grande, cunhou quando tomou as terras que um dia haviam sido dos antepassados dos russos do Império Otomano, em 1793.

Ele aponta para as betoneiras na região. "Com a ponte funcionando, só melhorou", afirmou. Sua chefe defende uma outra vantagem da obra: "O preço do material de construção caiu 20%", lembrando que a inflação chegou a bater 80% em 2015 -aparentemente está pela metade no setor de serviços, mas os dados são escassos.

Nadia, que ganha menos que os US$ 549 mensais (cerca de R$ 2.100) que o Serviço Federal de Estatísticas dá como média da região em 2018, diz que um valor aceitável para tocar a vida é US$ 700 (R$ 2.700) mensais, uma enormidade perto dos 10 mil rublos (R$ 580) que sua mãe ganha como pensionista –de todo modo, o dobro do que recebia nos tempos ucranianos.

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