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Conheça uma das mais ousadas drag queens do Brasil

Em entrevista exclusiva, Ikaro Kadoshi comenta gênero, preconceito e liberdade

Conheça uma das mais ousadas drag queens do Brasil
Notícias ao Minuto Brasil

21:13 - 16/07/17 por Raquel Lima

Cultura Entrevista

Em 2014, uma drag queen austríaca foi consagrada no respeitado festival de música Eurovision. Era Conchita Wrust, de vestido dourado, longos cabelos castanhos e barba. Há menos de um mês, a norte-americana Sasha Velour conquistou o reality “Ru Paul’s Drag Race” sem um fio de cabelo sob a coroa. Os dois episódios dão luz à androginia drag. Saem de cena o “bate cabelo”, o corpão cheio de enchimento, os decotes com a ilusão de seios fartos. Uma das pioneiras do gênero no Brasil tem nome e sobrenome masculinos: Ikaro Kadoshi.

"Sempre quis essa ambiguidade quase assexuada, essa coisa manequim de loja", ri Kadoshi, que é personificada por Tiago Liberato, há 16 anos. O paulista de 36 anos, nascido em São José dos Campos, formado em jornalismo e com currículo de ator, se reveza entre a revisão de uma revista de maquiagem brasileira, apresentações pelo país e a gravação de “Drag me as queen”. O reality show, que estreará no canal pago E! neste segundo semestre, é sobre a transformação de mulheres em drags.

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"Drag é arte que independe de gênero e é muito subjetiva, parte da visão de quem faz, passando pela visão de quem vê... como definir a arte? Drag foi feita para ser sentida, não explicada", opina. Espírita kardecista, apaixonado por futebol, pelas duas cadelas (que chama de filhas) e pela série “Grey’s Anatomy” (Sony Brasil), Martins fala sobre a popularização do mercado em que atua, graças às redes sociais e ao programa de Ru Paul Charles, dono do Emmy 2016 de apresentador e indicado como melhor reality neste ano. Na entrevista exclusiva a seguir, o artista também aborda gênero, preconceito e liberdade.

Quem é a drag Ikaro Kadoshi? O que inspira o estilo dela?

Eu sou uma tela em branco! E posso pintar essa tela como eu quiser sem dar explicações para isso. Se a arte é transgressora, drag é transgressão por excelência. O que me inspira sempre será o humano, seus comportamentos, suas relações com o outro e com o planeta em que habita.

Como foi o começo da sua drag?

O começo nunca é fácil. Ainda mais quando não se tinha a mãe das drags, chamada internet, com seus tutoriais e suas informações abundantes. Aprendi a me maquiar sentado no vaso sanitário, com as drags que me deixaram vê-las se maquiando. E, depois, um amigo da época, chamado Roberci, me ensinou a me maquiar. Ele maquiava um lado do meu rosto e eu ficava tentando reproduzir do outro. É a excelência por repetição. Hoje tudo está "de bandeja", por assim dizer. Basta querer!

O reality “Ru Paul’s Drag Race” é, algumas vezes, criticado por apresentar drags “polidas”. Você concorda?

Tudo na vida tem seu lado positivo e negativo. E Ru Paul's Drag Race não foge à regra. Enquanto trouxe à tona toda a realidade e os processos que levam as pessoas a se transformarem em drag - extremamente válido pois tira a mitificação que envolvia nosso trabalho e enobrece mais ainda nossa arte -, também trouxe o lado negativo dos que pensam que ser drag é só o que está na TV. A arte não se limita. Existem pessoas ao redor do mundo todo fazendo coisas tão ou mais incríveis e há mais tempo do que as que estão ali. Mas como o programa mostra fulana ou sicrana, as pessoas acham que elas são inspiração para todas as outras. Google está aí pra isso, né? Eu, por exemplo, continuo tranquilo. Sabendo de onde vim, do estilo que eu criei. E isso ninguém me tira.

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A cultura gay tem um flerte antigo com a pop, determinando estilos, copiando diálogos, mas, aparentemente, o mundo drag nunca foi tão conhecido. Como alguém que está há 16 anos na carreira, você diria que é verdade? Por quê?

Eu faço drag desde antes do Facebook, YouTube, do frenesi do tempo real e ao vivo. Mas esse affair com o pop sempre existiu e sempre existirá. A classe LGBTQQ+ tem um senso de humor muito peculiar e inteligente. Então, pegar o pop e transformar em "memes" é algo natural. Só que, antes nós fazíamos isso no boca a boca, criando jargões, usando cenas de cantoras como brincadeira. O que mudou é onde é feito, só isso! E o pop é o queridinho do gay porque o pop nunca se preocupou em seguir regras.

Sua drag também quebra regras dentro e fora dos palcos. É montada sem enchimento, peruca, como a própria Sasha Velour… fale um pouco sobre este estilo e como ele se encaixa hoje no showbizz.

Apenas sigo a filosofia do "seja você mesmo", desde sempre. Nunca quis ser nem nunca me vi como as drags 'normais', de perucas lindas, sutiã etc. Sempre quis essa ambiguidade quase assexuada, essa coisa manequim de loja (risos). E não foi fácil no começo por que era algo novo. Fui o primeiro 'estranho' (por assim dizer) do meio das drags brasileiras a fazer músicas teatrais, lentas, dramáticas. E foi um choque no começo. Algumas vezes ainda escuto coisas do tipo "vai colocar uma peruca"!. Mas quando seu amor pela arte é maior que a ignorância de quem verbaliza tal frase, nada disso incomoda. Estou muito mais preocupado com a arte do que com o reflexo dela nas pessoas. Hoje se utiliza o termo "o futuro das drags", eu já era esse futuro desde o ano 2000.

O que você acha do movimento de drags meninas? Tem alguma que admira?

Honestamente, quem sou eu para achar alguma coisa? Eu não posso nem tenho esse direito de interferir na visão de arte de quem quer que seja!!! A única coisa que eu digo é: que cada vez mais pessoas de todos os gêneros e estilos conheçam a libertação que é essa arte chamada drag queen e a usem como terapia transformadora, pois é isso que ela faz conosco. Todas as meninas drags têm meu amor gigantesco. E no Brasil temos várias incríveis como a Paloma Maremotto, a Manoon Toppin, a Cherry Pop...entre outras.

O que, de Ikaro, Tiago Liberato carrega mesmo quando não está montada?

O Ikaro me ensinou a não ser tímido. A não ter essa insegurança sobre o que as pessoas irão pensar. Me ensinou a entrar e sair dos lugares com respeito e carinho e a ouvir e observar a tudo e a todos como forma de aprendizado.

Drag queen é um trabalho de 24/7. Sempre há algo para estudar. Música para ensaiar, roupa para pensar."

Como está a agenda e quais são os planos de Ikaro Kadoshi?

Estou num momento lindo da minha carreira. Além dos shows, espero a minha estreia no cinema nacional no longa " Organismo", no qual faço participação especial, e estou na ansiedade quase patológica da estreia do reality que apresento, com Penelope Jean e Rita Von Hunty, no canal E! Entertainment Television, o "Drag me as a Queen". A previsão de lançamento é no segundo semestre. Somos as primeiras drags na história do Brasil e da América Latina a apresentarem um programa desse gênero. E estamos felizes em fazer história com algo que amamos tanto...

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