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Crianças separadas dos pais nos EUA guardam trauma em abrigos

Mudanças de comportamento, como a recusa a seguir regras, a apatia ou a completa ausência de demonstrações de carinho, são relatadas

Crianças separadas dos pais nos EUA guardam trauma em abrigos
Notícias ao Minuto Brasil

07:14 - 21/07/18 por Folhapress

Mundo abalados

Depois de quase dois meses em um abrigo nos EUA, o brasileiro Davi (nome fictício), 5, inventou uma brincadeira: chama um amigo, empurra-o contra a parede e coloca suas mãos para cima, como um policial. "Ele pediu uma arma de brinquedo para a mãe", conta a assistente jurídica Luana Mazon, do escritório de advocacia Jeff Goldman, que assessora a família.

Desde que foi reunido à mãe, na semana passada, ele quase não conversa, não come e quis voltar a mamar, no peito. "Está completamente traumatizado. "O relato é um entre vários que advogados e famílias têm ouvido desde que dezenas de crianças imigrantes reencontraram os pais, após serem separadas por agentes ao cruzar a fronteira ilegalmente.

Mudanças de comportamento, como a recusa a seguir regras, a apatia ou a completa ausência de demonstrações de carinho, também foram relatadas. A Academia Americana de Pediatria, que se opôs à tolerância zero, já alertou que a prática pode causar traumas irreparáveis às crianças."

A verdade é que o problema não acaba aí [na reunificação das famílias]: está só começando", comenta Liliane Costa, diretora-executiva do Brace (Brazilian-American Center), que atende imigrantes nos arredores de Boston. A região reúne uma das maiores comunidades brasileiras nos EUA. É para lá que foram algumas das famílias reunidas nas últimas semanas.Uma delas é a da mineira Sirley Silveira, que voltou a ver o filho de dez anos no início de julho, depois de 42 dias. "A mãe disse que ele está muito estranho: está agressivo, não tem paciência, não quer obedecer, fica perguntando a toda hora o que vai fazer", conta Mazon, que também assessora a família.

Ao mesmo tempo, o menino não quer distância da mãe. Fica com medo de vê-la sair de vista. E não gosta de lembrar o que aconteceu no abrigo onde ficou, em Chicago. Apesar de as condições materiais do lugar serem boas, segundo o relato de equipes que visitaram as crianças brasileiras, a rotina era espartana. Havia hora para levantar, para dormir e tarefas como limpar o quarto e o banheiro. Para os brasileiros, a socialização era mais difícil, já que a maioria dos residentes falava espanhol. Irmãos foram separados em quartos diferentes.

O contato com os pais se limitava a dez minutos por semana, por telefone. E, em alguns abrigos, contatos físicos com outras crianças, incluindo abraços, eram proibidos. Mesmo diante de choro. "A gente sabe o quanto essa experiência pode ser traumática", diz o psicólogo Daniel de Lima, que trabalha com a comunidade imigrante nos EUA. "Essa é uma fase em que a criança está completamente dependente do outro e precisa de cuidado, até para desenvolver o próprio sentido de confiança", comenta.

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"Depois da separação, na cabeça dela, correm dois sentimentos: de um lado, ela está desesperada para se reunir aos pais, mas, de outro, tem a sensação de ter sido traída." A volta à amamentação, como ocorreu com o menino de cinco anos, indica uma regressão psicológica, segundo Lima, para um momento em que a criança se sentia totalmente protegida. Os sintomas podem ser mais facilmente notados em crianças menores, mas, no caso de adolescentes, a separação é igualmente prejudicial, já que pode ser o gatilho para uma revolta contra os pais.Segundo Lima, nos adultos, o sentimento a ser trabalhado é a culpa, que, no futuro, pode gerar um comportamento de superproteção.

"Parece até que o objetivo do governo americano é exatamente esse: tornar esses pais culpados por terem levado seus filhos à fronteira. Mas isso é uma completa falta de empatia pelo sofrimento e pela história dessas pessoas", afirma o psicólogo. O Consulado do Brasil em Boston está organizando um grupo de apoio para atender a mães e filhos, gratuitamente.Equipes deste e de outros consulados seguem visitando as crianças nos abrigos espalhados pelos EUA.

Cerca de 40 menores brasileiros ainda estão sob a guarda do governo americano, longe dos pais. Alguns relatos de quem já deixou as instituições assustaram advogados, que estudam entrar com uma ação coletiva reclamando de negligência e maus-tratos. O filho de Sirley Silveira, por exemplo, quebrou o braço jogando futebol e disse não ter sido atendido por um médico, mas por um funcionário da instituição, e não fez nenhum tipo de exame ou raio-X. Hoje, o braço dói, e ele ainda usa um curativo improvisado.

Ele também disse ter visto um menino de cinco anos receber medicação intravenosa em meio a crises. Depois dos primeiros relatos virem à tona, o governo do estado de Illinois abriu uma investigação nesta semana para verificar o estado dos abrigos na região de Chicago.

A Heartland Alliance, que mantém as instituições, informou que as alegações são "perturbadoras, porque não refletem os valores e a qualidade do serviço" da organização e disse que iniciou uma apuração para identificar e punir eventuais responsáveis por maus-tratos. Com informações da Folhapress.

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