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Ambição política moveu membros do 'gabinete paralelo' de Bolsonaro

No Senado, a comissão busca apurar ações e omissões do governo no enfrentamento da pandemia

Ambição política moveu membros do 'gabinete paralelo' de Bolsonaro
Notícias ao Minuto Brasil

13:52 - 13/06/21 por Folhapress

Política CPI da covid

O chamado "gabinete paralelo" ganha notoriedade à medida que a CPI da Covid avança. Sob holofotes de senadores e apadrinhados por Jair Bolsonaro, integrantes do grupo de suposto assessoramento ao presidente colecionam ambições políticas e oferecem consultas particulares para o tratamento precoce.


No Senado, a comissão busca apurar ações e omissões do governo no enfrentamento da pandemia. Nas investigações, o foco se deslocou para 14 interlocutores do presidente nesse gabinete.
Ao largo do Ministério da Saúde, são médicos, atuais e ex-assessores palacianos, um empresário bilionário e até um congressista que desprezaram a importância da vacina e enalteceram, em sintonia com Bolsonaro, a defesa de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid.


Como o jornal Folha de S.Paulo mostrou, o gabinete paralelo participou de ao menos 24 reuniões no Palácio do Planalto e no Palácio da Alvorada.


Nelas estavam, por exemplo, a oncologista Nise Yamaguchi –em 5 encontros– e o deputado Osmar Terra (MDB-RS) –que foi a 11. Há elementos ainda da participação de mais seis médicos.


Além dos profissionais de saúde, são citados o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente; o assessor especial da Presidência Tercio Arnaud; o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten; o assessor internacional da Presidência Filipe Martins; o ex-assessor Arthur Weintraub, além do empresário Carlos Wizard.


Os senadores da CPI da Covid aprovaram na quinta (10) a quebra de sigilo telefônico e telemático de quatro integrantes desse grupo. A medida possibilita o acesso a registros de conversas telefônicas, conteúdos de mensagens trocadas por aplicativos e histórico de pesquisas na internet.
Também transitou pelo Planalto o anestesista Luciano Dias Azevedo. Ele é um dos médicos mais influentes entre defensores do tratamento precoce contra a Covid.


Em depoimento à CPI, Nise afirmou que partiu dele, logo no início da pandemia, quando Luiz Henrique Mandetta ainda era ministro, a ideia de elaboração de uma minuta de decreto para mudar a bula da hidroxicloroquina e ampliar o uso para a Covid.


Azevedo esteve em duas reuniões do gabinete paralelo e ainda foi a um evento no Planalto em agosto de 2020, no qual entregou a Bolsonaro uma carta de médicos que defendem o tratamento precoce.
Na ocasião, ele disse integrar o movimento "Brasil Vencendo a Covid-19". Segundo Azevedo, o grupo conta com cerca de 10 mil médicos. O país hoje tem mais de 530 mil profissionais formados em medicina.


"Estamos juntos desde meados de abril nesta batalha contra a Covid-19. Nós entendemos que a Covid-19 é uma doença que tem tratamento e a melhor resposta acontece quando abordada precocemente", disse no evento.


O vídeo que contém a declaração de Azevedo foi divulgado em um dos canais oficiais do governo federal na internet.


No mês seguinte, em dos encontros do grupo de assessoramento no Planalto, o virologista Paolo Zanotto sugeriu a Bolsonaro a criação de "shadow cabinet" –uma espécie de "gabinete das sombras" para tratar da resposta oficial à pandemia da Covid. O tema veio à tona na CPI após circular vídeo da reunião.


"Talvez fosse importante montar um grupo, e a gente poderia ajudar a montar um 'shadow board', como se fosse um 'shadow cabinet'. Esses indivíduos não precisariam ser expostos à popularidade", disse Zanotto.


Na ocasião, o tema oficial do encontro foi "médicos pela vida" –justamente o nome da Associação Médicos pela Vida, aberta no Recife, que mantém um site com 201 membros favoráveis ao tratamento precoce.


A presença de integrantes da entidade na reunião do "gabinete das sombras" levou os senadores da CPI a colocar o grupo no radar também e associá-los como auxiliares do gabinete paralelo de Bolsonaro.


A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da associação, mas não houve resposta até a conclusão deste texto.
Desde quinta, o site dos Médicos pela Vida apresenta instabilidade, e a página "encontre um médico" está fora do ar. Nesse espaço, havia contatos para a busca de consultas presenciais e até de teleatendimento.


A especialização dos profissionais é variada. Na coordenação da entidade, por exemplo, há oftalmologista, anestesiologista, cirurgião-geral, pneumologista, epidemiologista. Não há, contudo, nenhum infectologista.


O governo desde o início da pandemia tem adotado uma linha parecida com a desses médicos, investindo no tratamento precoce, mesmo sem a eficácia comprovada de cloroquina, ivermectina e azitromicina.


Em depoimento à CPI, o coronel Élcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, reconheceu que o governo adotou o atendimento precoce como estratégia principal para o enfrentamento da pandemia, com o "medicamento que o médico julgar oportuno".


São esses remédios que estão no cardápio dos Médicos pela Vida. Eles cobram preços variados pelas consultas e há até descrição no site de quais os tipos de medicamentos que receitam para Covid.
O médico pneumologista Blancard Torres, um dos coordenadores da Associação Médicos Pela Vida, por exemplo, que estava na reunião com Bolsonaro e Zanotto no Planalto, cobra R$ 650 por uma consulta e não aceita planos de saúde.


Ao lado de Bolsonaro na reunião de setembro, estava também o oftalmologista Antônio Jordão, outro coordenador da Associação Médicos pela Vida. Jordão já se aventurou pela política e entidades de representação de classe.


Ele foi filiado ao PT por dez anos, de 2003 a 2013, segundo dados da Justiça Eleitoral. Jordão ainda se candidatou em 2018 para as eleições do Cremepe (Conselho Regional de Medicina de Pernambuco).
Assim como ele, o médico Jandir Loureiro, também presente à reunião, se candidatou a vereador em Rio Bonito (RJ), na eleição passada.


Também coordenador da entidade, defende o uso de remédios sem eficácia comprovada e que a vacinação não seja obrigatória.


Médicos do Recife ouvidos pela reportagem na condição de anonimato disseram que os colegas pró-cloroquina buscam "fama e poder". Desconhecem a ciência e são vistos como "inocentes úteis".


Nessa cruzada, os médicos propagam o tratamento precoce em eventos dos quais participam e também nas redes sociais.


O cirurgião-geral Eduardo Leite, outro coordenador da associação, fez diversas lives defendendo o remédio e colocando em xeque a qualidade de vacina. Segundo ele, elas "podem resultar em mais efeitos danosos do que em benefícios".


Em um vídeo, Leite disse que a CPI da Covid "tenta demonizar o tratamento precoce". Ele argumentou ainda que, se não houvesse a polarização entre os médicos, mortes poderiam ter sido evitadas.


"O tratamento precoce funciona em duas etapas. A primeira etapa, logo no início do tratamento, que é a parte viral, quando o medicamento que nós empregarmos vai diminuir o número de vírus, permitindo uma reação imunológica não exacerbada, podendo levar o paciente já à cura na primeira fase", afirmou.
Ele prosseguiu: "Em muitos casos, são necessários que se acompanhe o paciente e introduza outras drogas, que todos já conhecem a base de anti-inflamatórios, antibióticos e anticoagulantes. Essa é a base, mas esses medicamentos sem a monitorização e sem o acolhimento são menos eficazes".


À reportagem o Cremepe afirmou que investiga o grupo. No entanto, o conselho disse que a análise das denúncias contra os médicos correm em sigilo para não comprometer as apurações. Além disso, o Ministério Público Federal em Pernambuco também abriu um procedimento para acompanhar as providências adotadas pelo Cremepe no caso.


Enquanto isso, os medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid tiveram um salto nas vendas durante a pandemia, segundo dados do CFF (Conselho Federal de Farmácia).


A venda de hidroxicloroquina subiu 126%, da ivermectina, 857%, e da azitromicina, 71%.


Os dados são de abril de 2019 a março de 2020 em comparação com abril de 2020 a março de 2021, quando a pandemia já havia começado no país.


"Toda vez que se opta pelo uso off-label [fora da bula] do medicamento, esse uso representa um risco a mais para quem vai utilizar. Haja visto que o uso não está baseado em evidências conclusivas sobre a segurança e o benefício do uso de medicamentos", disse Wellington Barros, consultor do CFF.


O Conselho Federal de Medicina disse, em nota, que queixas envolvendo a atuação de médicos podem ser feitas nos conselhos regionais dos estados onde ocorreram os fatos para que sejam apurados.

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