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‘O cinema brasileiro foi sabotado’, diz Kleber Mendonça Filho

O cineasta pernambucano realizador do longa-metragem Aquarius falou com exclusividade ao Notícias ao Minuto Brasil

‘O cinema brasileiro foi sabotado’,
diz Kleber Mendonça Filho
Notícias ao Minuto Brasil

12:34 - 20/03/17 por Fernando Vieri

Cultura Entrevista

Kleber Mendonça Filho é hoje um dos nomes mais importantes da indústria cinematográfica brasileira. O realizador de um dos mais premiados longas-metragem de ficção “Aquarius”, aplaudido em mais de 70 países mundo afora, foi o último responsável por levantar a autoestima do cinema brasileiro no cenário internacional. Nos últimos meses, a mais recente obra do diretor pernambucano apareceu em diversas listas de “melhores filmes de 2016”, como as promovidas pelas revistas “Rolling Stone” e “The Hollywood Reporter”, que exaltaram a performance da protagonista Sônia Braga. E ele, o diretor, viajou incansavelmente para diversos países nos últimos meses a fim de divulgar Aquarius.

Em Portugal, um dos últimos destinos de lançamento internacional de Aquarius, o Notícias ao Minuto Brasil teve um encontro com Kleber Mendonça Filho. Foram dois cafés e uma prosa especial acerca de assuntos como Brasil, política, cinema e o sucesso “inesperado” do seu longa-metragem. Pois é, o cineasta não esperava tamanho apreço pelo filme que conta a história de Clara, uma mulher na terceira idade que não se intimida com a pressão de uma empreiteira que quer “destruir” parte de sua história e sua vida.

Notícias ao MinutoSônia Braga e Kleber Mendonça Filho em Cannes (2016)

“Não, eu não trabalho com a ideia de que isso aqui vai ser um sucesso, porque eu acho que o cinema é muito perigoso. As expectativas na vida são muito perigosas, eu acho. Você deve fazer o que você acha que deve fazer e da melhor maneira possível e ficar bem com isso. Se vai ter uma aceitação ou não, já não tá mais com você (...) Então eu sempre fico com um pé atrás tentando entender que filme será esse. Mas isso não significa que eu espero. Eu não espero, francamente, nem fracasso, nem sucesso, mas talvez eu me prepare mais para o fracasso. Uma explicação meio confusa, mas resumindo, eu tô muito feliz com a forma que o filme foi recebido no Brasil e internacionalmente”, disse Kleber, horas depois da pré-estreia de Aquarius na capital Lisboa.

Questionado sobre uma possível decepção por Aquarius ter ficado fora da disputa do Oscar, devido a um suposto boicote por parte do Ministério da Cultura do governo Michel Temer, ao qual ele e a equipe do filme se manifestaram contra durante o prestigiado Festival de Cannes, Kleber disse que não e explicou o motivo.

“Francamente, não. Eu não tenho nada contra o Oscar e eu geralmente vou aonde o filme me leva. O filme vai pra Sydney, eu vou pra Sydney, o filme vai pro Porto e Lisboa, eu venho para cá. E vou feliz. Agora a questão é que socialmente, o mundo dá uma importância gigantesca ao Oscar, que eu, pessoalmente, não dou. Não tô dizendo que eu acharia ruim ser indicado ao Oscar, não é ruim. Faz parte em si. Se fosse lá que o filme me levasse, eu iria, de smoking achando tudo muito engraçado. Agora, o filme tá em mais de 70 países e, pra mim, a questão da retaliação foi uma questão absolutamente política que não tem nada a ver com cinema, tem a ver com política. E hoje, aquela retaliação é vista como grande tiro no pé em relação à indústria brasileira de cinema. Ela não foi apenas contra o “Aquarius”. Ela foi contra o cinema brasileiro”, afirma ele, apontado ainda culpados e prejudicados.

“Quando acontece uma coisa boa dessas para a indústria brasileira, todo mundo sai ganhando. E essa sabotagem foi contra a indústria brasileira, porque o outro filme (Pequeno Segredo, de David Schurmann) ele efetivamente não só não foi para o Oscar como não tem e nem nunca terá o prestígio internacional que Aquarius tem e que creditava Aquarius. É como se o Brasil tivesse se sabotado. O governo sabotou a indústria brasileira de cinema”, diz Kleber.

Confira abaixo a entrevista completa do Notícias ao Minuto Brasil com Kleber Mendonça Filho.

Notícias ao Minuto: Como é que surgiu esse projeto “Aquarius”?

Kleber Mendonça Filho: Aquarius” surgiu de várias coisas. Você tem que juntar vários elementos pra no final das contas fazê-los funcionar, mas vem muito de observar a cidade. Recife não é diferente de outras cidades do Brasil, da América Latina, das Américas, tem muita demolição…

NM: A história é contada em Recife, mas poderia passar em outras cidades?

Kleber: Nesses meses que eu tô viajando com o filme eu descobri que essa história acontece em todas as cidades, não é em muitas, é em todas. Mas claro que se por tratar de América Latina e Brasil, existe um descontrole maior, eu acho. Uma alegria maior em detonar, em demolir coisas. E o filme veio muito dessa ideia de demolição. A demolição ela é pra mim muito dramática, porque envolve desfazer um prédio, uma casa, que tem uma história, gente que morou lá, e envolve famílias que tiveram que dizer sim e tiveram que ou barganhar, ou dizer não. E eu queria analisar uma história de demolição e eu também queria fazer o retrato de uma mulher. Nunca pra mim seria um homem na personagem de Clara. Então...

NM: Você considera um filme sobre resistência feminina, também?

Kleber: Resistência… Eu acho que a mulher naturalmente encara obstáculos maiores nas sociedades, no Brasil não é diferente, e ao encarar obstáculos maiores, porque vivemos em sociedades machistas, ela se torna uma personagem mais cheia de conflitos e dramas e mais trabalhável como desenvolvimento de uma história. Então ele veio basicamente dessas duas coisas, de observar como a cidade muda, muitas vezes de maneira grosseira, de maneira violenta, sem nenhuma preocupação com a história, preservação. A única preocupação é o mercado, e isso é uma coisa que me incomoda na sociedade moderna, e que eu acho que no Brasil é mais pontiagudo. Todas as leis existem no Brasil, mas como brasileiros, sabemos que no Brasil as leis você tem como dar um jeito e não sei o que, puxa pra cá, puxa pra lá. E acho que veio daí.

NM: E como foi esse processo de colocar centenas de assuntos como na linha do tempo do filme? São várias histórias que estão interligadas. O câncer da Clara, uma mulher na terceira idade que tenta reencontrar sua vida sexual, aí tem as relações familiares, a proximidade com o sobrinho, lealdade com funcionária do lar…

Kleber: Essa percepção que tem muita coisa acontecendo, eu fico feliz que muita gente identifique e que você identifica. Mas francamente, ela não é calculada matematicamente. Ela vem do desenvolvimento da história, do roteiro. Eu geralmente escrevo um roteiro muito rápido e é curioso, que no “Som ao Redor” (primeiro longa de Kleber) e nesse filme, essa primeira versão saiu em 5 dias. Todas as ideias que estão nessa primeira versão, elas ainda estão no filme que você viu. Mas ao longo de dois anos, depois que tem essa cuspida inicial, o filme vai acumulando detalhes e novas informações e pequenos desdobramentos. E aí, no final, isso eu acho que faz parte de qualquer livro bom, filme bom, você tem uma história que não é só a história. A história faz isso… Aí tem o filho da Ladjane que não tem nada a ver com a história, mas que tem tudo a ver com a história, aí tem a amiga dela que é advogada e que sai pra beber com ela, mas que na verdade é uma advogada. São coisas que vão aparecendo. Aí tem o arquivo que elas vão visitar e aí a casa dela também é um arquivo das coisas dela, da vida dela. O filme também é sobre arquivo. Aí tem fotos, aí tem discos, aí tem livros, aí tem uma discussão de família em que a discussão é sacramentada porque alguém vai na biblioteca e puxa um livro que é um arquivo. Aí abre uma página do livro e mostra um documento. São todas coisas que vão se encaixando.

NM: E quantos tratamentos o roteiro teve?

Kleber: Eu não sei. Eu não fiz oficialmente, sabe? Eu simplesmente tinha um arquivo que eu ia acrescentando mais coisa, então eu não sei, talvez…

NM: Em quanto tempo você realizou o filme, desde o momento que você sentou para escrever a primeira letra do roteiro até corte final?

Kleber:  De 2012 a 2015. Até na semana de começar a filmar eu ainda tava fazendo umas anotações e alterações, mas sempre mudando.

NM: Sinceramente, você esperava esse sucesso todo?

Kleber: Não, eu não trabalho com a ideia de que isso aqui vai ser um sucesso, porque eu acho que o cinema é muito perigoso. As expectativas na vida são muito perigosas, eu acho. Você deve fazer o que você acha que deve fazer e da melhor maneira possível e  ficar bem com isso. Se vai ter uma aceitação ou não, já não tá mais com você. E claro, você tem que fazer a parte também pós-filme que é, por exemplo, eu to aqui acompanhando o filme, eu tava em Londres quinta, sexta e sábado e agora eu tô em Portugal acompanhando o filme. Isso pra mim, eu me sinto melhor estando aqui, do que se eu estivesse em casa dizendo: boa sorte, filme. Eu acho que faz parte. Agora, você ficar esperando “esse filme vai ser foda”, eu não acho saudável.

Notícias ao MinutoKleber (de óculos) no comando do set de Aquarius

NM: Então te surpreendeu de fato?

Kleber: É, surpreendeu, porque todo filme é um grande desafio, é um trabalho descomunal, muita gente que não faz cinema não tem ideia do trabalho que é, físico e mental. E um filme ruim dá o mesmo trabalho que um filme bom... Essa é outra parte que muita gente não lembra. E que eu saiba, todo o cineasta trabalha para que seus filmes sejam bons. Então eu sempre fico com um pé atrás tentando entender que filme será esse. Mas isso não significa que eu espero.. Eu não espero, francamente, nem fracasso, nem sucesso, mas talvez eu me prepare mais pro fracasso. Uma explicação meio confusa, mas resumindo, eu tô muito feliz com a forma que o filme foi recebido no Brasil e internacionalmente.

NM: Muita gente se surpreendeu com o fato de Aquarius ficar fora da disputa do Oscar. Você ficou triste?

Kleber: Francamente, não. Eu não tenho dada contra o Oscar e eu geralmente vou aonde o filme me leva. O filme vai pra Sydney, eu vou pra Sydney, o filme vai pro Porto e Lisboa, eu venho para cá. E vou feliz. Agora a questão é que, socialmente, o mundo dá uma importância gigantesca ao Oscar, que eu, pessoalmente, não dou. Não tô dizendo que eu acharia ruim ser indicado ao Oscar, não é ruim. Faz parte em si. Se fosse lá que o filme me levasse, eu iria, de smoking achando tudo muito engraçado. Agora, o filme tá em mais de 70 países e, pra mim, a questão da retaliação foi uma questão absolutamente política que não tem nada a ver com cinema, tem a ver com política. E hoje, aquela retaliação é vista como grande tiro no pé em relação à indústria brasileira de cinema. Ela não foi apenas contra o “Aquarius”. Ela foi contra o cinema Brasileiro.

NM: Quem perde com isso tudo?

Kleber: Quando acontece uma coisa boa dessas para a indústria brasileira, todo mundo sai ganhando. E essa sabotagem foi contra a indústria brasileira, porque o outro filme (Pequeno Segredo, de David Schurmann) ele efetivamente não só não foi para o Oscar como não tem e nem nunca terá o prestígio internacional que Aquarius tem e que creditava Aquarius. É como se o Brasil tivesse se sabotado. O governo sabotou a indústria brasileira de cinema.

NM: Acha que o governo Temer te colocou como “inimigo” naquele momento?

Kleber: Eu acho incrível que em 2017 as coisas sejam colocadas dessa forma. Eu e a equipe do filme apenas nos expressamos com um sentimento democrático de opinião em relação ao desenvolvimento da política brasileira naquele momento. Nós não concordamos com a quebra do processo democrático através do golpe e essa é uma opinião nossa. E nós devemos ter a possibilidade e a liberdade de dizer isso.

NM: Qual é o seu sentimento em relação ao Brasil de hoje e o que está por vir?

Kleber: Acho que todo brasileiro deve estar preocupado com o que está acontecendo com o país politicamente. Foi uma crise política que veio de luta de poder, o que é muito feio e desrespeitou o processo democrático, e agora acho que abriu várias frentes para a sociedade brasileira não fazer sentido em relação a decisões importantes para o bem dessa sociedade. Temos um governo (Temer) ilegítimo, incompetente e preconceituoso. E espero que saiamos disso o mais rápido possível.

NM: Acha que Lula vence as eleições se realmente for candidato à Presidência em 2018?

Kleber: Eu não sei. Acho que muita gente está se apegando a ideia de Lula mais como uma espécie de salva vidas do passado. Lula foi um grande presidente, mas não sei. Não sei o que nos aguarda. Estou observando como bom brasileiro e querendo que tudo melhore.

Notícias ao MinutoKleber Mendonça Filho

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