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Gestão penitenciária no Brasil precisa de reforma, dizem especialistas

Eles apontam medidas adotadas em outros países que deram certo e que poderiam servir de exemplo

Gestão penitenciária no Brasil precisa
de reforma, dizem especialistas
Notícias ao Minuto Brasil

21:18 - 28/01/17 por Notícias Ao Minuto

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Aula de jardinagem, penas alternativas, cursos de controle de raiva. Essas são algumas das técnicas usadas em outros países para gerenciar o sistema carcerário. A ANSA consultou especialistas da área para analisar quais poderiam ser adotadas (ou não) no Brasil, cuja a situação das prisões se agravou no mês de janeiro. As recentes rebeliões e motins que ocorreram em presídios da região norte do Brasil fizeram com que a crise do sistema penitenciário voltasse à pauta das discussões na sociedade brasileira.   

Na maior chacina desde o "massacre do Carandiru", em 1992, o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, no Amazonas, registrou quase 60 mortes no dia 2 de janeiro após uma guerra de facções entre a Família do Norte (FDN) e o Primeiro Comando da Capital (PCC).   

Poucos dias depois, um confronto na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc), em Boa Vista, Roraima, terminou com 33 mortes. A última delas ocorreu na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta, no Rio Grande do Norte, e deixou ao menos 10 mortos. Autoridades passaram a semana em verdadeiras batalhas contra os detidos para tentar retomar o controle da unidade prisional.    Além dessas, dezenas de rebeliões sem vítimas fatais foram registrados em estados do norte, nordeste e sudeste do Brasil em janeiro.   

"Esta série de tragédias que aconteceram neste mês mostra a falta de controle dentro dos presídios. Em muitos deles, as autoridades são os criminosos. Esse é um aspecto fundamental. E por que estão em mãos de criminosos? Basicamente a gente vê uma grande negligência das autoridades por décadas em governos sucessivos de direita e de esquerda", diz à ANSA César Muñoz, pesquisador sênior para o Brasil da ONG Human Rights Watch (HRW).   

O professor de Estratégia do Insper, Sandro Cabral, segue a mesma linha e ressalta que o que ocorreu no país em janeiro "é uma acumulação de fatores que vem há alguns anos". "Óbvio que você tem alguns movimentos que se intensificaram, como a força do PCC e da rota internacional do tráfico de drogas, mas é um movimento que já estava vindo. É um somatório de coisas ruins que nós fomos acumulando ao longo dos anos e que estão explodindo", acrescenta.   

Os dois especialistas são unânimes em dizer que há dois grandes problemas que precisam ser enfrentados no país: a superlotação e a necessidade de uma reforma no sistema judiciário. "A superlotação é o elemento-chave aqui e a resposta tradicional do governo é construir mais presídios. Mas, digamos que com os números atuais é impossível. É impossível o Brasil construir suficientes prisões para acabar com a superlotação", destaca Muñoz ao contar que visitou um presídio em Pernambuco e que em uma das celas para seis pessoas havia 60 pessoas no local. Cabral ressalta outro ponto para a superlotação. "Com nossa política de encarceramento em massa, acabamos tendo um sistema disfuncional. Nós temos muita gente que deveria estar presa e que está solta e temos muita gente que deveria estar solta, presa. Então são situação absurdas. Lá em Manaus, por exemplo, tinha gente que morreu na rebelião e que estava preso por pensão de filho. Esse é um cara que não representa nenhum perigo para a sociedade e estava ao lado de facínoras", diz o professor do Insper à ANSA.   

Sobre a reforma do sistema judiciário e a ineficiência do gerenciamento conjunto de informações sobre presos, Muñoz afirma que um dos principais problemas nacionais é a quantidade de pessoas que estão presas e não foram ainda condenadas.   

Segundo dados apresentados pelo pesquisador há 42% de "presos provisórios", aqueles que foram enviados para a detenção antes de serem condenados. "A média mundial é 22% e nos países desenvolvidos é de 8%. Então, o Brasil tem muitos presos esperando julgamento e muitos deles não deveriam estar em prisão, eles poderiam ter outras medidas alternativas", cita o pesquisador da HRW.    Muñoz ainda ressalta a importância de uma mudança na política de combate às drogas no Brasil, já que hoje, "as prisões estão cheias de pessoas acusadas por crimes relacionados às drogas, mas muitos são usuários [...] ou pequenos traficantes". Para o especialista da HRW, o país adota uma "política retrógrada" e que "não tem dado nenhum resultado positivo".   

Já Cabral afirma que não acredita em "fórmulas mágicas ou em usar modelos de sucesso" de outros países.   

"O Brasil tem características únicas em relação a outros países. E temos em nosso próprio país pequenas soluções pontuais que dão certo. Entre elas, estão uma atuação inteligente das autoridades penitenciárias e uma articulação muito forte com o judiciário, onde o judiciário seja sensível às demandas e evite condenar aquelas pessoas que não tem provas suficientes ou baseadas apenas no relato de um policial militar que fez uma apreensão pequena de droga", diz o especialista em presídios brasileiros.

Para Muñoz, apesar de ter a maior população carcerária do mundo e ter problemas no sistema judicial "especialmente na aplicação discriminatória da lei", os Estados Unidos podem inspirar, já que há um " movimento para fazer uma reforma do sistema, algo que não temos visto no Brasil".   

"Isso porque eles perceberam que penas excessivamente compridas não melhoravam a segurança pública. Nos EUA, em geral, o número de presos está caindo ao contrário do Brasil", acrescenta Muñoz.   

Confira alguns modelos de sistema prisional considerados eficientes pelo mundo.    Holanda - Na contramão de outros países do mundo, inclusive o Brasil, a Holanda é uma das poucas nações que não enfrentam o problema da superlotação nos seus presídios. Nos últimos anos, 19 prisões foram fechadas por falta de uso, tendência que deve continuar em 2017. Os principais motivos para esse acentuado decréscimo da população carcerária na Holanda são as medidas adotadas na última década sobre o assunto. Uma delas é que em todos os presídios, mesmo nas instituições de segurança máxima, iniciativas que atuam na reabilitação do prisioneiro, como aulas de culinária, gestão de raiva e tratamentos para usuários de drogas, fazem parte do dia a dia do detento.   

A polícia holandesa também começou a mudar o enfoque de prisões para casos mais graves, deixando de lado detenções menores, relacionadas especialmente com tráfico de drogas. Além disso, juízes aplicam cada vez mais penas alternativas ao encarceramento, como trabalho comunitário, uso de tornozeleiras eletrônicas e multas.   

Todas essas medidas resultaram em uma diminuição de 43% da população carcerária no país. Em 2005, o número de detentos era de 14.468 contra 8.245 em 2015.   

Noruega

A Noruega é o país com a menor taxa de reincidência do mundo. Apenas 20% dos presos no país voltam aos presídios. Nos Estados Unidos, essa porcentagem sobe para 76% e no Brasil chega nos 70%. E uma taxa tão baixa como essa pode ser explicada, principalmente, pelas medidas de reabilitação adotadas nas prisões. No país, a maioria dos detentos começa a cumprir a pena em presídios de segurança máxima, mas muitos acabam sendo transferidos após alguns meses para cárceres de segurança mais baixa e, às vezes, até para casas de adaptação para que eles tenham uma transição mais suave para a vida fora das celas. Além disso, as penas costumam a ser curtas, não passando na maioria das vezes de um ano.   

Com essa ideia, também se destacam dois presídios de segurança máxima que são considerados "utopias" e exemplos das melhores prisões do mundo. Uma delas se localiza na ilha de Bastoy, no sul de Oslo, onde os 115 prisioneiros podem cozinhar, caminhar pela sua praia particular, jogar cartas e tênis e até cuidar de uma balsa que liga a ilha ao continente com poucos guardas os vigiando.   

No entanto, a prisão mais conhecida do país é a de Halden, que fica perto com a fronteira com a Suíça. Nela, os detentos podem cozinhar com facas pontiagudas, ter aulas de natação e tênis e até se divertir em uma sala de música, onde se encontram diversos instrumentos musicais à disposição. Além disso, os detentos e os guardas têm uma relação de amizade.   

Suécia

A Suécia também é um país conhecido pela eficiência do seu sistema carcerário. No país, o foco é a reabilitação dos detentos em presídios mais "humanizados", onde o preso pode viver com a maior normalidade possível.   

Além disso, uma grande preocupação da nação é com a saúde dos presos. Segundo o jornal "The Guardian", a Suécia conta com um programa de 12 etapas para o tratamento de vícios, como álcool e drogas, dos detentos, sendo que cada um deles é cuidado por um funcionário. Somado aos vícios, o sistema prisional do país também leva em conta que grande parte dos prisioneiros têm algum tipo de doença mental, como depressão, transtorno bipolar e transtorno de déficit de atenção, que assumem um fator decisivo para que o detento volte a cometer um crime.   

Ainda de acordo com a publicação britânica, em 2004, a população carcerária do país era de 5.722 pessoas e agora esse número caiu para 4,5 mil. Além disso, a taxa de reincidência na nação é de 40% e cerca de 80% dos presos são condenados a menos de um ano de detenção.   

Estados Unidos

Mesmo sendo o país com a maior população carcerária planeta, com 2,2 milhões de detentos encarcerados, segundo dados oficiais do governo de 2015, os Estados Unidos diminuíram, nos últimos anos, esse número em 51 mil, o menor desde 1994.   

Além da mudança nas questões relacionadas às penas, ressaltada pelo pesquisador da HRW, Um dos motivos dessa queda é que os estados norte-americanos controlam mais as políticas correcionais que o governo federal, sendo que nestes estão menos de 25% dos presos. Assim, estados como a Califórnia, Maryland, Alaska, Colorado, Carolina do Sul e Kentucky puderam realizar reformas legislativas para diminuir a população carcerária.   

De acordo com César Muñoz, os EUA estão ainda com um processo para encerrar a privatização das prisões federais, "já que eles viram que o serviço e os programas para os presos eram piores".   

"As prisões privatizadas tinham mais registros de violência entre presos e contra os agentes penitenciários. E não havia uma redução de custos. Então eles decidiram acabar com os contratos", conclui. (ANSA)

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