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Um ano após mortes, Paraisópolis pede Justiça com flores em beco

Nove jovens morreram durante uma ação da Polícia Militar no bairro de Paraisópolis em São Paulo

Um ano após mortes, Paraisópolis pede Justiça com flores em beco
Notícias ao Minuto Brasil

05:55 - 02/12/20 por Folhapress

Justiça São Paulo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No dia que marca um ano desde que nove jovens morreram durante uma ação da Polícia Militar em um baile funk de Paraisópolis, as famílias das vítimas e os moradores da favela da zona sul da capital paulista se reuniram no beco onde os meninos e uma menina perderam a vida, para homenageá-los.

Também protestaram em frente ao Palácio dos Bandeirantes, para cobrar do governo de João Doria (PSDB) as indenizações prometidas, que não saíram do papel, e a condenação dos PMs.

Na viela, rezaram o Pai Nosso enquanto seguravam flores e balões com as palavras Paz, Justiça e Amor. No muro, em que grafites perguntam "quantos mais precisarão morrer para essa guerra acabar?", foram fixadas em silêncio fotos das vítimas, que tinham entre 14 e 23 anos –por outros nove meninos negros e de idades parecidas.

Em volta do Palácio dos Bandeirantes, cercado e com entrada bloqueada por PMs, inclusive de batalhões de choque, familiares fizeram relatos emocionados e pediram o fim da corporação.

"É um grito de revolta, já que até hoje não temos respostas. A gente sabe que meu irmão saiu pra se divertir após uma semana de trabalho e não voltou mais pra casa. É difícil seguir um ano sem irmão, sem filho, sem uma parte da nossa família. É uma vida inteira que foi tirada de nós. Meu irmão tinha o mesmo valor dos jovens que moram nessas mansões aqui", disse o estudante Danylo Quirino, que perdeu o irmão Denys Henrique Quirino da Silva, 16.

Ele diz que Doria firmou uma série de acordos após a tragédia e não cumpriu nenhum, como a formação de uma comissão de acompanhamento do caso e a reparação rápida às famílias das vítimas. Também não tem sido atendido o pedido de nova reunião dos familiares com o governador.

"Faz um ano que estou tentando saber porque fizeram isso com meu filho. No próximo dia 31 ele faria 17 anos, mas não teve esse direito", disse a mãe de Denys, Cristina Quirino Portugal, 41.

Muita nervosa, Fernanda Garcia, 27, irmã de Dennys Guilherme dos Santos, 16, disse que o adolescente "foi assassinado por policiais militares em serviço. Ele trabalhava, estudava, mas não tinha o direito de sair? Se os policiais o conhecessem, tivessem parado e perguntado 'o que você está fazendo aqui?', isso não teria acontecido. A polícia deveria ser bem treinada, mas é treinada para matar."

"Uma semana depois [da tragédia], o Doria fez um teatro, com a gente fragilizado, prometeu um monte. E depois nunca mais nos recebeu. Justiça é uma palavra que não existe", disse Vagner Oliveira, 56, tio de Luara Victoria Oliveira, 18. "Esses caras vibram [com a violência]. O lema não devia ser 'servir e proteger', mas punir e oprimir", disse sobre os agentes.

Na viela de Paraisópolis, o pastor Igor, que ajudou no socorro na noite da tragédia, puxou um coro com o Rap do Silva. "Não é só pelas nove famílias, mas pelas 32 mil famílias de Paraisópolis. Foi um ato de crueldade, um massacre", afirmou.

Há duas semanas, o baile voltou a ser realizado após ter sido suspenso por causa de pandemia, mas ainda segue esvaziado, já que grande parte dos frequentadores são de fora de Paraisópolis –como as nove vítimas do dia 1º de dezembro de 2019. A polícia não interveio.

Para o presidente da associação de moradores, Gilson Rodrigues, nada foi feito para que o episódio não se repita.

"Vivemos de tragédia em tragédia. Sem acesso à cultura e lazer. Ao invés de criar estrutura para que o baile aconteça de forma segura, continuam marginalizando", diz ele, que esperava a instalação de banheiros, profissionalização do comércio e formação dos DJs, por exemplo.

Mas, ao contrário, foi "um ano de preconceito, julgamento. Colocaram a culpa nos pais, nas crianças, na comunidade. Imagina todos nós nessa viela, encurralados. Como somos todos os dias, pela fome, desemprego, a Covid."

As famílias ainda aguardam um desfecho do caso. Há duas investigações prestes a serem concluídas. Uma delas, conduzida pela PM, aponta ter havido legítima defesa pelos policiais.

O outro inquérito é conduzido pela Polícia Civil, por uma equipe do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) considerada técnica e que pode indiciar parte dos PMs envolvidos.

Um dos indicativos vem de manifestação da promotora Luciana André Jordão Dias, que disse ver elementos para denunciar parte dos PMs por homicídio doloso, com dolo eventual (quando se assume o risco de matar).

Se a tese prosperar, diz a promotora, os PMs seriam levados a júri popular.

A PM diz que naquela madrugada fazia uma operação e perseguia suspeitos numa moto pelas ruas de Paraisópolis. Ainda na versão da polícia, os dois ocupantes da moto, ao avistarem o carro da polícia, passaram a atirar.

A perseguição continuou até próximo ao fluxo de pessoas que participavam do baile da DZ7, famoso por reunir milhares.

Os policiais afirmaram que os criminosos continuaram a avançar por esse fluxo e que houve correria. Parte do público também teria atacado os policiais, sendo necessário o uso de armas não letais.

Testemunhas rejeitam a versão e dizem que os agentes usaram de força para acabar com o baile. Na tentativa de dispersão, os jovens foram acuados em um beco e foi ali que ocorreram as mortes.

Os laudos feitos nos corpos apontaram traumas condizentes com pisoteamento, como contusões e escoriações.
A Secretaria de Segurança Pública afirmou que os policiais envolvidos seguem afastados do serviço operacional.

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