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Em convulsão política, Belarus vai às urnas

É a mais eletrizante disputa para o comando da antiga república soviética desde 1994

Em convulsão política, Belarus vai às urnas
Notícias ao Minuto Brasil

12:30 - 09/08/20 por Folhapress

Mundo BELARUS-ELEIÇÕES

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Cerca de 7 milhões dos 9,5 milhões de bielorrussos estão aptos a finalizar o processo de votação para presidente neste domingo (9).

É a mais eletrizante disputa para o comando da antiga república soviética desde 1994.

Após 26 anos de autocracia, Aleksandr Lukachenko é desafiado por uma frente viável de oposição, que promete tirar a alcunha de "última ditadura da Europa" do país.

As asserções acima são verdadeiras, mas ninguém no país espera um resultado diferente de uma vitória fraudada de Lukachenko.

"Havia um fogo à espreita. Agora começa o incêndio. O que acontecer daqui para frente é o que importa", diz Vitali Shkliarov, marqueteiro bielorrusso que fez fama trabalhando para Bernie Sanders nos EUA e para a oposição russa.

Ele, que mora em Washington e não está envolvido no pleito, foi preso em Minsk na quarta retrasada, um dia após falar por telefone com a Folha de S.Paulo. Foi acusado de ajudar a oposição ilegalmente, o que nega.

Shkliarov elencou dois fatores centrais para o desafio inédito que, se não irá se concretizar nas urnas oficiais, está colocado ante Lukachenko.

Para ele, a elite local sempre apoiou o presidente devido a seu alinhamento automático com o Kremlin. Em 1999, ambos os países firmaram uma união que Vladimir Putin tenta transformar em um país.

Lukachenko sempre extraiu favores do vizinho, mas neste ano passou semanas sem o petróleo subsidiado por Moscou.

Para piorar, tem sido receptivo a acenos do Ocidente, como a visita do secretário de Estado americano, Mike Pompeo, ao país em fevereiro.

Putin pode tolerar um Lukachenko melindroso, tanto que chegaram a termos, mas não a absorção do vizinho pelas estruturas políticas ocidentais.

Na cabeça russa, Belarus e Ucrânia precisam ser aliadas de Moscou ou, no máximo, neutras, sem permitir a presença de tropas da Otan (aliança militar ocidental) tão perto de suas fronteiras.

Isso já aconteceu num momento de fraqueza russa, quando as três repúblicas ex-soviéticas do Báltico foram acopladas à Otan em 2004.

Putin, à época já no poder, não permitiu a repetição: em 2008 a Rússia foi à guerra com a Geórgia e, em 2014, anexou a Crimeia da Ucrânia para evitar movimentos semelhantes.

Assim, o entrevero com Moscou assustou a elite. A classe sempre teve na Rússia um refúgio em crises.

"O outro ponto foi o coronavírus. A negação de Lukachenko fez lembrar a todos de Tchernóbil, quando a radiação também era invisível e o governo dizia que não existia nada", afirmou Shkliarov.

Em 1986, a explosão na usina nuclear na então Ucrânia soviética foi muito perto da fronteira bielorrussa, onde o marqueteiro crescera.

"Todos lembraram do trauma, eu lembro bem", contou."Agora, ficaram com medo, enquanto escolas permaneceram abertas", disse ele, que é pesquisador associado da Universidade Harvard (EUA).

Lukachenko ganhou notoriedade, ao lado do americano Donald Trump e do brasileiro Jair Bolsonaro, como um dos raros líderes a minimizar o Sars-CoV-2. Disse que "vodca e sauna" matariam o vírus.

Aos 65 anos, vencedor de uma eleição livre em 1994 e de outras quatro por fraude denunciada por observadores internacionais, o presidente afirma ser o único capaz de "salvar o país".

Mas a realidade é bem mais sombria do que desejam os meios de comunicação ocidentais encantados com a figura de Svetlana Tikhanovskaia, a desafiante principal.

Professora de inglês de 37 anos, ela é a mulher do popularíssimo youtuber Siarhei Tikhanovski, que se lançou candidato em maio.

"Isso é algo nunca visto. Na Belarus é muito difícil se registrar candidato, e havia filas de cidadãos querendo assinar o apoio formal a ele. Era o Telegram dele, não o candidato. Os jovens não se conectam a Lukachenko", disse Shkliarov.

Os paralelos com o blogueiro russo Alexei Navalni, grande opositor de Putin, e com o comediante Volodimir Zelenski, "outsider" eleito presidente na Ucrânia, foram imediatas.

O detalhe é que o presidente mandou prender Tikhanovski em maio, acusado de campanha ilegal. Ele foi solto e começou a coletar assinaturas naquilo que foi apelidado de a Revolução do Chinelo.

Isso fala ao imaginário de povos russófonos, como o bielorrusso. O popular poema infantil "A Barata Monstro", do russo Kornei Tchukóvski (1882-1969), traz um inseto bigodudo –característica marcante de Lukachenko. Logo, o chinelo: "Parem a barata" era o slogan dos ativistas.

Em 29 de maio, Tikhanovski voltou à cadeia depois de uma confusão num comício e de lá não mais saiu. Sua mulher, então, resolveu concorrer e prometer nova eleição se ganhar.

Em 17 de julho, sua candidatura transformou-se numa frente feminista com outros rivais de Lukachenko considerados viáveis eleitoralmente chamada Vmeste (juntos).

Viktor Babariko, preso em junho sob acusação de fraudes, foi representado na frente por sua chefe de campanha, Maria Kalesnikaia.

Já Valeri Tsepkalo, que fugiu para a Rússia em julho com medo de acabar na cadeia, enviou sua mulher, Veronika.

Svetlana conseguiu mobilizar multidões para o padrão bielorrusso –mais de 30 mil compareceram a marchas em Minsk. Fez isso apesar da repressão, que pode dar três anos de cadeia a Shkliarov e atingiu cerca de 1.300 pessoas, segundo ONGs humanitárias.

Não há pesquisas confiáveis na Belarus, apenas enquetes online e um instituto estatal que dá 70% ao presidente. Há três outros candidatos-traço na disputa, que, de resto, parece decidida até porque a votação antecipada, iniciada na terça (4), permite todo tipo de fraude.

A campanha ainda ganhou um tempero de mistério adicional quando Lukachenko anunciou, na semana retrasada, a prisão de 33 mercenários russos que estavam no país.

Isso não ajudou a relação com Moscou. Na sexta (7), ele falou com Putin sobre o caso e ainda divulgou a prisão de um número incerto de americanos. Analistas se perguntam se o Kremlin se daria ao trabalho de intervir no vizinho.

O consenso é que não, exceto em caso de guerra civil. E isso vai depender da natureza da labareda do incêndio que o hoje prisioneiro Shkliarov via em formação. Especialmente se a combustão já for vista neste domingo.

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